Autora: Sandra Pedro, CPO AMMA Lab
Eu demito-me! É a frase que os recrutadores mais ouvem há um ano. O movimento “Grande Demissão” (“Great Resignation“, em inglês) começou nos Estados Unidos e já chegou ao Brasil e a Espanha e deverá alastrar a outras economias. As empresas, mais do que nunca, têm de olhar para dentro.
Em todo o mundo, milhões de pessoas estão a repensar a sua forma de trabalhar e de viver. Se, há algumas gerações, o trabalho era sinónimo de sobrevivência, hoje já não é assim. A pandemia apenas veio acelerar a crescente insatisfação laboral. Hoje, as prioridades foram transferidas para um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, um salário justo e uma liderança positiva.
Estamos a presenciar o que Anthony Klotz, especialista em psicologia organizacional, tem alertado, nos últimos anos: um realinhamento no mercado de trabalho. Pessoas que, por diversos motivos, escolhem deixar os seus empregos.
A vontade de deixar ou trocar de emprego já era demonstrado em múltiplos estudos, antes mesmo da pandemia, que refreou esta tendência dada a situação de incerteza que se viveu no primeiro ano. Contudo, agravou, em muitos casos, o nível de esgotamento em que muitos colaboradores já se encontravam – o chamado burnout. Embora trabalhassem a partir de casa, a falta de confiança por parte de muitas direções, levou-os a trabalhar mais e sob maior pressão. A saúde mental e física ficou debilitada e o desempenho profissional comprometido. Solução: “Eu demito-me!”.
Situações sucessivas de assédio moral e sexual nas empresas levaram a um cansaço extremo por parte dos colaboradores. São muitos os relatos de abusos psicológicos nas redes sociais. As pessoas escolhem dizer “BASTA”. Em causa está a sua dignidade enquanto Seres Humanos.
A somar a tudo isto, Anthony Klotz menciona um outro fator: momentos de epifania, nos quais a pessoa vive uma situação que a faz querer deixar o cargo, mesmo que se sinta feliz com o trabalho que desempenha. A ausência de progressão de carreira, o despedimento injustificado de um colega ou a descoberta do seu propósito de vida são fatores que levam muitas pessoas a deixar o seu trabalho para se dedicarem ao seu próprio negócio, de acordo com os seus valores pessoais.
O modelo de trabalho remoto ou híbrido é outro fator que está a ter um grande peso na hora de escolher mudar de emprego. Muitos são os profissionais que abdicam do seu “emprego de sonho” para poderem estar mais tempo com a família, ter mais autonomia no seu trabalho ou liberdade geográfica.
As pessoas escolhem dizer “BASTA”. Em causa está a sua dignidade enquanto Seres Humanos
Essa rotatividade não se verifica apenas em setores menos qualificados ou com salários mais baixos, o que obrigou as empresas a oferecer melhores salários e mais incentivos. Chegou também aos empregos mais qualificados.
A realidade é que já não são só os salários e as regalias laborais que irão fazer com que as pessoas permaneçam nos seus empregos. Além de melhores salários, elas procuram também ambientes de trabalho mais saudáveis e uma melhoria na sua qualidade de vida, através de um maior equilíbrio entre a sua vida profissional e pessoal. Querem ser reconhecidas como pessoas e não como números. Querem ser tratadas com respeito, ver o seu trabalho e esforço reconhecidos e as suas opiniões e ideias ouvidas.
A ausência de progressão de carreira, o despedimento injustificado de um colega ou a descoberta do seu propósito de vida são fatores que levam muitas pessoas a deixar o seu trabalho
Este fenómeno pode parecer estranho para as gerações mais antigas, principalmente para aqueles que assumem cargos de chefia. Afinal, aprenderam que o trabalho é sinónimo de esforço e sacrifício, que não se questiona a autoridade e que quem tem poder é quem tem dinheiro e cargos superiores.
Devemos ter em mente que a sociedade também evolui, em termos estruturais e de mindset. Que a mentalidade, embora seja difícil de mudar, chega a um momento em que não dá mais para “continuar como antes”, embora seja uma situação que deixa muitas pessoas confortáveis e teimem em permanecer no mesmo modus operandi.
Se a geração Y (com a qual me identifico, embora seja da geração X) teve de aprender a lidar com a mentalidade das gerações baby boomer, que valoriza a lealdade e o compromisso com a empresa e a ascensão profissional, e a X, que valoriza o trabalho e a estabilidade financeira e que apresenta uma resistência ao que é novo, as gerações Millennium e Z vieram desafiar os velhos padrões. E isto representa ainda um maior desafio para as empresas, pois o mercado de trabalho tende a dirigir-se para a existência de equipas multigeracionais. Quem trabalha com gestão de risco sabe que precisa de olhar para todos os fatores e estabelecer um plano de ação para os minimizar. E a verdade é que, das muitas conversas que tenho tido com líderes empresariais e consultores, a maioria das empresas portuguesas ainda não estão despertas para esta temática.
Ainda assim, já começa a haver algumas que olham para a gestão dos seus Recursos Humanos de uma outra forma. A sua visão de futuro obriga-as a mudar a sua postura no mercado. Neste caso, é preciso reconhecer que esta visão e postura também vem dos seus líderes. E muitos deles criam o seu próprio negócio por não se identificarem com o velho modelo de liderança e de negócio.
Perante todas estas mudanças, existem vários pontos que devem ser ponderados:
Se os líderes empresariais valorizam cada vez mais os seus colaboradores, devem investir no seu bem-estar, que deve incluir aspetos emocionais, mentais e físicos, nomeadamente através:
● da sensibilização interna para uma liderança positiva e humanizada, pois um dos fatores que levam muitos dos colaboradores a deixar as empresas são os comportamentos e atitudes dos seus superiores;
● da construção de uma cultura organizacional de felicidade corporativa. As pessoas procuram ambientes de trabalho mais saudáveis, onde se sintam reconhecidas, valorizadas, realizadas, num trabalho com propósito e com relações interpessoais de confiança e transparência;
● e do alinhamento de valores, pois as pessoas procuram empresas que estejam alinhadas com os seus valores pessoais. O lucro pelo lucro há muito que está ultrapassado. O lucro pelo bem comum é agora valorizado e procurado. Este tem sido um dos fatores que levam cada vez mais pessoas a entrar no mundo do empreendedorismo.
Desengane-se quem pensa que iremos voltar ao velho normal. Esse ficou para trás. Cada vez mais o coletivo vai fazer-se ouvir. A readaptação aos novos valores e estruturas é urgente para quem pretende seguir na linha da frente. Não importa a dimensão do negócio nem da economia em que estão inseridos.
Vivemos num mercado global, sem fronteiras físicas, o que agudiza a pressão sobre as empresas e organizações. Hoje são os colaboradores que escolhem onde e como trabalhar. Esse poder já não está nas mãos das empresas. Se estão infelizes, saem. Se não são tratados com dignidade, saem. E as mudanças apenas agora começaram…
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