Autores: Dra. Daniela Alves Nogueira e Dra. Eunice Barbosa, Psicólogas Clínicas e Responsáveis Técnicas do Programa UPPORTUNITY “A fundaMENTAL tool for team leaders”.
Saúde mental para todos: o impacto da pandemia na saúde mental em contexto profissional.
A pandemia por COVID-19, que nos acompanha desde março de 2020, tem causado constrangimentos em diversas áreas, deixando marcas indeléveis na saúde mental. Em particular, as medidas adotadas pelos Governos, de modo a proteger a população e, consequentemente, mitigar a disseminação e propagação da COVID-19, promoveram a separação da rede familiar e social, a perda de liberdade, a dificuldade de ritualizar os processos de luto decorrentes das perdas de pessoas significativas, a incerteza sobre o curso da doença e a instabilidade da dinâmica socioeconómica. Estas repercussões, direta ou indiretamente relacionadas com a COVID-19, exigem reações intensas de ajustamento emocional que, numa percentagem significativa, resultam em sofrimento e/ou perturbações mentais.
Estudos recentes apontam para números alarmantes de problemas psicológicos na população a médio e a longo prazo. De acordo com relatório da OCDE, mais de 70% dos portugueses que estiveram em situação de isolamento apresentaram sofrimento psicológico e mais de metade sintomas de depressão moderada a grave. A prevalência dos sintomas de depressão, ansiedade e de stress pós-traumático durante os períodos de confinamento aumentaram consideravelmente. O cenário agravou-se após o segundo confinamento devido ao aumento de pessoas afetadas pelo SARS-COV-2, de mortes relacionadas com a doença e à acumulação de fatores de stress, traduzindo-se num nível de fadiga pandémica que, de acordo com a OMS, atingiu 60% da população europeia. Além dos problemas já referidos, outras preocupações foram-se manifestando, nomeadamente o medo, o tédio, a solidão, a raiva, e a longo prazo, o luto complicado, o burnout, os comportamentos aditivos e, também, o suicídio. Esta preocupação global incentiva a Organização Mundial de Saúde a sinalizar no Dia Mundial da Saúde Mental deste ano o lançamento da campanha: “Cuidados de Saúde Mental para todos: Vamos torna-lo em realidade” #WorldMentalHealthDay.
Apesar dos indivíduos com anteriores problemas psicológicos, parecerem especialmente vulneráveis a desenvolver sintomas psicopatológicos durante a pandemia, os comportamentos, as emoções e as respostas desadaptativas podem surgir em qualquer pessoa com impacto em várias áreas do seu funcionamento, como seja a área ocupacional.
As mudanças laborais imediatas para dar resposta à situação inesperada de crise pandémica como a massificação do teletrabalho e/ou a reorganização das equipas e das próprias tarefas laborais exigiu uma adaptação a este contexto que nem todos os envolvidos conseguiram acompanhar de uma forma ajustada e mentalmente saudável. As repercussões no trabalhador são visíveis pelo aumento dos acidentes de trabalho, das doenças incapacitantes e dos conflitos trabalho-família.
O desempenho profissional, a produtividade e a competitividade das empresas também sairá afetada pela saúde mental dos seus colaboradores, com custos humanos e económicos estimados às empresas portuguesas de 3,2 milhões de euros por ano. Estima-se que os trabalhadores faltem por problemas de saúde psicológica até 6,2 dias por ano e que o presentismo possa ir até 12,4 dias. No total, a perda de produtividade pode custar às empresas portuguesas até 0,9% do seu volume de negócios (DGS, 2021).
Sabendo que apesar da maior sensibilidade e sensibilização de toda a comunidade e decisores sobre a importância da saúde mental, sabemos que ainda não se operacionalizaram as medidas de reforço do SNS. Será necessário dotar as equipas de saúde mental do serviço público com mais profissionais para conseguir dar resposta a um problema durante anos negligenciado e agora prestes a colapsar. Mas será que as empresas poderão ajudar a colmatar estas necessidades? Será para as empresas viável investirem na saúde mental dos seus colaboradores? Será que terão as empresas retorno económico do investimento em programas que promovam a saúde mental dos seus colaboradores?
O relatório da DGS (2021) afirma que os programas de saúde mental a nível laboral são eficazes para o bem-estar do trabalhador, traduzindo-se na redução do absentismo, no aumento de produtividade e melhor desempenho. Estudos sugerem que o retorno económico gerado por estes programas ao longo de um ano possam variar entre 0,81€ e 13,62€ por cada 1€ de despesa/investimento no programa de saúde mental. Neste sentido, as empresas poderão ver aumentado o seu potencial humano capitalizado com profissionais resilientes mais capazes de enfrentarem os desafios e exigências profissionais de forma frutífera e produtiva, melhorando, em última instância, a competitividade e saúde da própria empresa.