Paulo Sardinha foi eleito presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH – Brasil) em outubro.
O início do próximo ano trará a Paulo Sardinha a presidência da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH – Brasil). Eleito em outubro, o atual presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH – RJ) irá presidir à ABRH – Brasil em janeiro. Paulo Sardinha já definiu os objetivos do seu mandato, que vigorará entre 2019 e 2021. De visita a Lisboa, onde participou no 51.º Encontro Nacional da APG, conjuntamente com a presidente da World Federation of People Management Associations, Leyla Nascimento, o presidente eleito da entidade que representa, no Brasil, os profissionais de recursos humanos destacou, em entrevista, ao InfoRH, a importância que esses profissionais assumem para lá das paredes das organizações.
Irá presidir à Associação Brasileira de Recursos Humanos em janeiro. Que objetivos definiu para o seu mandato?
Quando falamos em Revolução Industrial, dizemos que estamos na quarta revolução. Diria que quero, de alguma forma, incentivar uma quarta revolução na gestão de recursos humanos no Brasil. Na primeira, a atividade do profissional de recursos humanos estava muito marcada pelas atividades administrativas. Na segunda, o RH, vamos chamar, tradicional, detinha as áreas de recrutamento e seleção, formação e remuneração. Na terceira, assiste-se ao impacto do big data e dos social media, nas organizações e nas pessoas. Na quarta revolução, haveria uma nova agenda para os recursos humanos, que incluiria uma ligação mais forte às questões sociais, como a longevidade, saúde e previdência social. Pretendo que a área de recursos humanos passe a ser mais institucional, com uma ligação mais forte aos atores de mercado. A Associação Brasileira de Recursos Humanos sempre manteve um diálogo aberto com um grupo que falava, no fundo, de recursos humanos para recursos humanos. A ideia é abrir o diálogo a novos atores, que teriam uma relação mais forte com o governo, onde falta uma visão estratégica de gestão de pessoas. Vou dar um exemplo. No Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Recursos Humanos reuniu-se com o governador e o secretário de estado da educação. Dissemos que queríamos colaborar na formação dos diretores das escolas públicas – pessoas que eram preparadas para assumir o cargo de direção, mas que a sua preparação não tinha, por incrível que pareça, formação em gestão de recursos humanos. Criámos um movimento inédito, que é um exemplo de como a área de recursos humanos e os seus profissionais começam a alargar o diálogo a pessoas que estão fora da fronteira dos recursos humanos. Esta revolução passa por uma relação com o governo, com a sociedade de uma maneira mais abrangente, outras entidades de caráter civil e procura organizar uma nova agenda, que trata de temas que, até então, não eram tratados. Os recursos humanos deixariam a fronteira limitada das organizações e passariam a atuar junto das famílias e da sociedade.
Em Portugal, como no Brasil, assiste-se à saída de jovens profissionais para o estrangeiro. Que medidas são capazes de inverter a situação?
Há alguns aspetos da sociedade que se relacionam uns com os outros. O primeiro é a educação. Precisamos de formar os nossos jovens e dar-lhes condições para ingressarem rapidamente no mercado de trabalho. No Brasil, por exemplo, estou em contacto com o Ministério do Trabalho, para que a ABRH possa colaborar no sentido de desenvolver uma política pública para a inserção dos jovens no mercado de trabalho. No Brasil, como em outros países, convivemos com um grupo de jovens que não tem uma boa educação, que precisa de ser reencaminhado para uma oportunidade de emprego e com os jovens que têm uma boa educação. Ambos os grupos precisam de entrar no mercado de trabalho. O segundo elemento, que se relaciona com a educação, é a inserção no mercado de trabalho, e o terceiro é a capacidade de gerar lideranças. O quarto elemento é a produtividade. A produtividade das organizações depende de fatores tradicionais, determinados pela economia e pela tecnologia, por exemplo, mas depende também do fator humano, representado pela capacidade dos líderes conduzirem as suas organizações aos resultados. O quinto, e último, elemento é a competitividade. Estes cinco elementos são fundamentais e vão merecer a atenção da ABRH – Brasil na minha gestão, para que possamos dar aos profissionais de RH uma maior amplitude e atuação.
Considera que há um desajuste entre os conteúdos lecionados nas escolas e a sua aplicabilidade no mercado de trabalho?
Historicamente, assistimos a um momento interessante. Quando se começou a acentuar a distância entre o meio académico e o meio organizacional, algumas empresas criaram universidades corporativas e poucas foram as que realmente cumpriram o seu papel. As empresas começaram a perceber que, no seu ADN, não conhecem bem a educação, o que talvez explica que muitas universidades corporativas tenham surgido para tentar resolver esse problema, mas na prática, realmente, muito poucas cumpriram a sua missão. O momento seguinte foi o da criação das escolas de negócios, onde começam a ganhar destaque os MBA’s, que mais não são que, simplificando, uma resposta que as universidades, através de escolas de negócios, criaram para formar uma pós-graduação que pudesse ter a proximidade entre educação e mercado de trabalho. No Brasil, criei um MBA para uma escola de negócios, que foi bem-sucedido justamente porque os professores estavam no meio profissional. Seria interessante, como estamos a discutir no Brasil, que a universidade tivesse uma divisão simbólica. Nos primeiros anos, os alunos poderiam ter uma formação curricular baseada em conhecimento científico e, à medida que se aproximassem do final do ano, não apenas nos estágios, começavam a ter professores que atuassem no mercado.
Precisamos de formar os nossos jovens e dar-lhes condições para ingressarem rapidamente no mercado de trabalho
Podemos deduzir que, na sua perspetiva, a atuação do profissional de recursos humanos deve extravasar as paredes das organizações?
Sem querer comparar a importância dos profissionais, a ligação das organizações à sociedade passa pelo profissional de recursos humanos. É ele, dentro da organização, que tem o privilégio e a grande responsabilidade de fazer essa ligação. Uma organização não pode, hoje, dizer que é socialmente responsável. O que afirma tem de ter uma tradução muito clara nos aspetos de um país que gera competitividade e produtividade e que é capaz de gerar rendimentos para que o cidadão tenha dignidade e saúde. Quando perguntamos às pessoas o que esperam ter quando atingirem a idade da reforma, geralmente, dizem que esperam ter capacidade para subsistirem, saúde e importância na família. Os rendimentos e a saúde passam pela mão da sociedade e do Estado e são uma responsabilidade, do ponto de vista das organizações, do profissional de recursos humanos. Não é da responsabilidade dos profissionais das áreas financeira ou logística, que também têm um papel importante. Não estou a comparar a importância, mas a dizer que, entre todos os profissionais de uma organização, é o profissional de RH que, olhando para fora dos muros da organização, tem de atuar junto das entidades responsáveis. É importante ampliar o papel dos recursos humanos para áreas que não estavam ocupadas.
A ligação das organizações à sociedade passa pelo profissional de recursos humanos
Que tendências irão caracterizar o setor no próximo ano?
A amplitude da fronteira dos recursos humanos por si só vai exigir muito dos profissionais. Todos nós, imagino, de uma forma generalizada, chegamos a casa, depois de um dia de trabalho, ou no final da semana, e comentamos com a família as conquistas e as dificuldades que tivemos. É uma coisa natural. Fiz, anteriormente, uma experiência. Quando as pessoas chegavam às empresas, à segunda-feira, perguntávamos como tinha sido o fim-de-semana. A surpresa foi enorme. Disseram-nos que quando saem levam a empresa para casa, mas a empresa nunca permitiu que trouxessem a casa para dentro da empresa. Essa surpresa fez-nos lembrar que o elo de ligação entre as organizações, o Estado, a sociedade e o indivíduo tem de ser reforçado. Uma outra tendência que é importante observar é que a tecnologia, de uma maneira geral, tem hoje um efeito colateral nas pessoas que perante a necessidade de terem uma nova capacidade para lidarem com a tecnologia, e tendo por vezes dificuldade e inibição, começam a afastar-se. É possível que surja uma nova função nos recursos humanos, ou seja, alguém que esteja atento e permita que as novas tecnologias possam ser introduzidas no ambiente de trabalho de uma forma mais amigável. Nas organizações, as pessoas que são, vamos dizer, menos tecnológicas, acabam por ser vítimas de bullying e são rejeitadas. Não se trata da capacidade da pessoa. A tecnologia é, muitas vezes, introduzida nas organizações sem o devido cuidado, gerando o efeito contrário. É preciso estar muito atento, porque a introdução de tecnologias sugere mudanças, nomeadamente na maneira de trabalhar e nas competências necessárias. Não se pode simplesmente introduzir uma tecnologia na organização sem permitir às pessoas passarem pelo processo de mudança, adaptação de rotinas, conhecimentos e processos, de uma forma mais organizada. Isto não é válido só para as pessoas de mais idade. Os jovens também se sentem envergonhados quando não sabem falar sobre novas tecnologias ou mesmo utilizá-las. Os recursos humanos devem dar atenção aos impactos das novas tecnologias, especialmente nos jovens, que precisam de ser amparados, para que a tecnologia seja um benefício e não uma dificuldade.