Entrevista conduzida por: Luis Morgadinho, especialista em management intercultural da AKTEOS
Paulista radicado há três anos em Portugal, Rafael Silva passou por todas as funções da área financeira da filial brasileira da Edenred (durante 14 anos), empresa de origem francesa especializada em benefícios extrassalariais presente em quase meia centena de países. É atualmente diretor financeiro e de RH em Portugal.
Como definiria a cultura da Edenred?
A característica principal da nossa empresa é sem dúvida a agilidade e capacidade de inovação e de reinvenção. Somos um grupo internacional que consegue perceber os mercados e as culturas locais e usar a sua dimensão global ao serviço de uma verdadeira adaptação local.
A empesa é de origem francesa, mas na realidade não tem qualquer influência em termos de cultura de trabalho. Enquanto no Brasil a empresa tem características muito brasileiras, na Europa a estrutura está regionalizada e as filiais vivem num contexto de diversidade cultural permanente.
O que o motivou a escolher Portugal?
Estava à procura de uma oportunidade de expatriação desde há alguns anos para fugir das grandes cidades, descobrir o mundo, mas também evoluir em termos de carreira, explorando novas áreas de negócio da empresa. O que sempre me motivou foi o lado humano da coisa. Tinha identificado vários países pela proximidade cultural, tais como Portugal, Espanha e Itália, mas também Bélgica ou Turquia, por curiosidade pessoal.
Apesar de não conhecer Portugal, fiquei feliz quando me convidaram para vir para Lisboa. A dimensão da cidade e do país pareceu-me ideal, tanto em termos pessoais como profissionais. Ouvia falar de segurança e de facilidade de instalação para os brasileiros, e por isso pensei que seria o ideal para uma primeira expatriação. Em termos profissionais, o desafio era interessante e o facto da filial portuguesa ter uma dimensão mais pequena permitiria ter mais impacto.
A língua portuguesa teve impacto na sua escolha? Facilitou a sua adaptação?
Nem me passou pela cabeça a facilidade que me iria trazer a língua e com distância até acho o contrário. A proximidade linguística deixa os brasileiros demasiado à vontade para cometer mais deslizes. Não estou a referir-me apenas a mal-entendidos relacionados com vocabulário ou expressões linguísticas.
Em Portugal, as pessoas demonstram de forma geral muito cuidado na forma de comunicar por escrito, mas também oralmente, enquanto no Brasil exploramos a língua de forma mais figurativa e as pessoas são mais espontâneas há que ter cuidado. Isso obriga-nos a ter alguma cautela e, no início, esta necessidade gerou-me algum stress.
Além do fator linguístico, algum aspeto da cultura portuguesa o surpreendeu no trabalho?
O que mais me surpreendeu foi a frontalidade das pessoas.
Os brasileiros têm demasiada preocupação em não indispor os seus interlocutores e comunicam de forma mais indireta. Em Portugal, a comunicação é mais assertiva e as pessoas são um pouco mais individualistas. Como brasileiro, senti muita recetividade por parte dos meus colegas para me orientar. Um expatriado tem que ser humilde e perceber que ele é que tem que se adaptar. Deixei-me conduzir pelos outros e tornou-se tudo muito natural.
Que conselhos daria a managers estrangeiros que venham trabalhar para Portugal?
Na minha opinião, o grande desafio de um manager é lidar com a diversidade e sinto, aliás, que em Portugal todas as empresas estão atualmente a debater-se com o tema, nomeadamente com o da interculturalidade. É verdade que as empresas têm que se adaptar quando acolhem outras nacionalidades, mas quem vem de fora é que tem que se ajustar.
A proximidade linguística deixa os brasileiros demasiado à vontade para cometer mais deslizes. (…) Em Portugal, as pessoas demonstram muito cuidado na forma de comunicar por escrito, mas também oralmente, enquanto no Brasil exploramos a língua de forma mais figurativa e espontânea
O meu primeiro conselho seria de serem transparentes e assertivos nos compromissos que assumem e serem humildes para perceber o mercado e a cultura local. Será essencial terem uma escuta ativa para perceber as necessidades das pessoas e estarem preparados para fazer correções na sua forma de se relacionar.
Relativamente aos brasileiros, o meu conselho seria estarem atentos aos detalhes e não assumirem que por falarem a língua têm a integração garantida. Vão sentir a diferença no formalismo, na confiança no próximo, mas isso é típico da cultura de Portugal e da Europa, de forma geral. Tudo se faz, com humildade e flexibilidade.
Artigo de Management Intercultural publicado na edição 148 da RHmagazine, referente aos meses de setembro e outubro