“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” – Fernando Teixeira de Andrade
Começo por fazer um disclaimer inicial – o que me motiva a falar do futuro não está relacionado com tudo o que se tem afirmado sobre o mesmo, principalmente no domínio da gestão e do desenvolvimento de pessoas.
Contradigo, inclusive, a afirmação de que estamos a preparar pessoas para um futuro desconhecido e incerto. Quando confrontado com esta observação questiono sempre: mas quando é que o futuro foi conhecido? A resposta em 100% das situações é simples: nunca! Claro que o futuro se tornou mais difícil de prever e temos até que desenvolver competências acrescidas para podermos trabalhar e liderar no desconhecido.
Mas esta não é a variável determinante. A questão prende-se com a velocidade a que tudo acontece e com a nossa capacidade para a acompanhar, pois se queremos continuar a ser sustentáveis temos que aprender, pelo menos, à mesma velocidade que a velocidade da mudança.
Dito isto…
Acredito que estamos a construir um novo normal e eu sou um otimista. Depois deste período de grande adaptação e desconforto, temos que voltar ao futuro, vivendo no presente. Temos que resgatar a nossa mentalidade de crescimento que nos leva a construir. Temos que voltar a procurar o prazer e não apenas fugir à dor.
Sabemos que em cenários de grande perturbação as pessoas tendem a adotar uma abordagem mais tática, respondendo às solicitações e seguindo o que está aprovado, ao invés de apostarem na resolução de novos e maiores problemas que os negócios possam estar a enfrentar.
Por outro lado, confesso que estou preocupado com os processos que perduram na maior parte das organizações. Perceciono-os como estando sempre a conduzir as pessoas para o passado e não rumo ao futuro.
Penso que a melhor forma de me explicar será através de alguns exemplos.
Em primeiro lugar, os orçamentos das empresas e, consequentemente, das áreas de gestão de pessoas.
Na esmagadora maioria das situações, continua a ser normal proceder à elaboração de orçamentos anuais, por vezes até com perspetivas a 2 ou 3 anos, com maior ou menor simplificação.
Claro que é importante termos uma direção, mas, invariavelmente, quando se conclui o processo de orçamento ficamos logo com uma certeza – o mesmo já está desatualizado! Somos confrontados com a velocidade a que tudo acontece e com contextos inesperados, como foi o caso da presente crise (fatores que, provavelmente, serão ainda mais frequentes).
Atenção! Não estou a dizer que devemos navegar à vista… Antes pelo contrário. Devemos, isso sim, apostar no propósito, ter objetivos macro e mapas que nos permitam orientar.
Não é a definição de rotas e de marcos concretos que importa, pois se nos depararmos com dificuldades e tivermos apenas uma rota com passagens obrigatórias, a dificuldade para a corrigir será muito maior, perdemos agilidade. Por contraponto, o mapa permite-nos analisar e avaliar alternativas, sempre com o foco no propósito, permite-nos experimentar, errar e corrigir, adaptar.
Os orçamentos também nos trazem a pressão do curto prazo, até porque são o mote para outros processos e colidem, invariavelmente, com o órgão mais sensível do corpo humano – o bolso. Temos que viver e estar no presente, mas não podemos deixar de pensar (não ver) a médio e longo prazo, pois isso traz-nos estratégia, cenários, perspetivas, continuidade e esperança. Não existem estratégias de curto prazo, a estratégia é sempre de longo prazo, tudo o resto são táticas e operações.
Para ser ainda mais provocador, quantas vezes os orçamentos não podem ser limitadores da ambição? Por exemplo, quantas vezes já se depararam com situações em que as pessoas atingem os seus indicadores de performance e retêm novas realizações para o ano seguinte, pois acreditam isso será mais positivo para elas?
Outro aspeto relevante, os processos de avaliação de desempenho.
Começam logo por estar ancorados nos orçamentos em termos de indicadores e depois podem ser mais objetivos ou subjetivos, mas não é esta variável que quero dissecar, vou focar-me nas consequências em termos de desenvolvimento de pessoas.
A esmagadora maioria dos processos de avaliação de desempenho tem vários outputs, desde a remuneração variável, às promoções e progressões e à gestão de carreiras, não descurando os planos de desenvolvimento e de aprendizagem – e é neste âmbito que, uma vez mais, invertemos o passado, o presente e o futuro…
Os processos mais usuais podem ser descritos da seguinte forma: avaliação de desempenho, análise de desvios em termos de competências comportamentais e técnicas e tomem lá o “castigo” de fazerem formação naquilo em que não são bons. Enquanto não apostarmos na psicologia positiva dificilmente faremos com que as forças das pessoas avaliadas cresçam (muito teríamos a falar sobre este tema, mas sabemos, pelo que as neurociências nos têm trazido em termos de conhecimento, que se trabalharmos os talentos e as forças das pessoas elas também melhoram nas suas lacunas e é muito mais fácil que o queiram fazer e não o sintam como obrigação).
Mas a questão crucial para esta crónica é outra… Como desenhamos os planos de desenvolvimento e de aprendizagem? Tipicamente a avaliação de desempenho decorre nos primeiros meses do ano A e é relativa ao ano A-1. Portanto, estaremos a definir planos de desenvolvimento e aprendizagem, geralmente anuais, para serem implementados no ano a e em parte do ano A+1, mas na realidade com o que as pessoas tinham precisado no ano A-1, porque nos estamos a focar nos desvios negativos. Isto não faz o mínimo sentido! Quer dizer, em determinado ano vou dar às minhas pessoas o que elas tinham precisado no ano anterior? Isto é desenvolvimento?
Não obstante, se o nosso foco for nas forças, for efetivamente numa perspetiva de percurso futuro, já fará todo o sentido. Nas fraquezas ou limitações temos que atuar de imediato (no presente enquanto não se transforma no passado), no desenvolvimento devemos definir um plano.
Os modelos de definição de planos de desenvolvimento pessoal que conheço e que me parecem funcionar de forma mais efetiva estão já separados dos processos de avaliação de desempenho.
Por fim, o feedback, também muito ligado à avaliação de desempenho, infelizmente, pois o mesmo, para ter valor, tem que ser contínuo e dado no momento certo – se dar feedback é a vontade genuína de ajudarmos alguém (porque se não for não é feedback), então tem que ser dado no momento em que é relevante, quando a situação que o gera está a acontecer.
Eu tive uma chefia que ia escrevendo tudo num caderno e que depois me dava feedback passados alguns meses ou no momento da avaliação de desempenho – mas aí eu já não podia mudar nada! Podia refletir, mas dificilmente agir sobre a situação.
O feedback pode ser uma ferramenta muito poderosa, se dado e recebido da forma correta, mas geralmente centra-se no passado. As pessoas falam sobre o que aconteceu e como poderia ter sido diferente… Não seria mais importante falarmos sobre o que ainda está a acontecer e, acima da tudo, com uma componente de feedforward, isto é, alimentando também o futuro?
É diferente dizer “correu muito bem/muito mal por esta e por aquela razão” ou dizer “correu bem / correu mal e como podes replicar/modificar o que aconteceu no futuro?” – leva-nos a conversas diferentes e eu já afirmei que acredito que a melhor, se não a única, forma de mudarmos uma organização passa por alterarmos a forma como se conversa na mesma.
Vários estudos sugerem que devemos forcar apenas 10% do nosso tempo no passado, nos ensinamentos, devendo o restante ser utilizado principalmente para vivermos o presente e, também, para construirmos o futuro.
Vivemos uma fase única, na qual estamos a repensar e a reinventar as nossas empresas e a nós mesmos. Vamos aproveitá-la para nos focarmos no presente e no futuro e não tanto no passado? Para alterarmos os processos que já não nos servem?
Não existem receitas nem certezas, mas se trabalhar em conjunto, se partilharmos ideias, certamente encontraremos os nossos mapas.
Até breve!