Foi presidente global da Havas Worldwide e CEO da Havas Worldwide Ibero-America. Deixou o cargo no fim de 2016 a seu pedido. A RHmagazine foi falar com Ricardo Monteiro neste momento de mudança radical de vida.
O Ricardo reformou-se há uns meses…
Reformei-me porque realmente é uma atividade frenética a que ocupou os últimos 15 anos da minha vida, por isso sim estou reformado. Continuo a ter algumas atividades espaçadas, não remuneradas e que eu escolho fazer.
Como está a ser este desafio?
Não está a ser difícil, pelo contrário, está a ser muito agradável e contrariamente à minha expectativa, tenho solicitações bastante variadas e bastante frequentes para fazer atividades. É curioso que, contrariamente ao que eu pensei que seria a minha vida, existem muitas pessoas interessadas em conhecer esta minha vasta experiência internacional e que não só querem ouvir histórias relacionadas com a minha vida, como sobretudo saber o conhecimento que fui adquirindo, a experiência do que foi feito, verem o que é útil para a área e para a empresa deles. Entre outras coisas sou professor na Porto Business School, e faço master classes. Sou comentador na TVI, sou business angel, portanto ajudo algumas start-ups a descolar do chão, é uma atividade muito engraçada devo dizer, através de um pequeno fundo de business angels chamada RE D angels com base em Aveiro. Estou ainda bastante envolvido com a diáspora portuguesa, que é um grupo formal cujo presidente honorário é o Presidente da República e que tem múltiplas atividades e iniciativas. Somos 92 portugueses que vivem fora do país. A apesar de ainda ter residência no estrangeiro, regressei agora mais a Portugal. Através desta rede, temos feito boas coisas em prol da boa imagem do país e temos trazido novas atividades e investimento a Portugal com algumas iniciativas importantes. Portanto, vou estando bastante ocupado, tenho também uma pequeníssima atividade de consultoria, e tenho algumas solicitações de empresas para que vá até junto delas e ver o que é que estes anos pelo mundo fora podem fazer por elas.
Não no setor da publicidade?
Não. Esta é uma área da que me quero distanciar, apesar de já ter estado muito envolvido, acho que a publicidade mudou muito para a minha geração. Tudo o que tem a ver com publicação, comunicação com base digital, tudo o que intersecional com plataformas digitais, é um mundo que evoluiu a uma velocidade muito grande e basta estar fora 3 ou 4 meses para se perder esse comboio.
Mas acha que o papel vai desaparecer?
Eu acho que o papel nunca vai desaparecer. Há um fenómeno engraçado, a Amazon nos EUA. Como sabem a Amazon começou por vender livros online e é uma empresa gigante que ficou sob ameaça das grandes livrarias que havia nos Estados Unidos e no resto do mundo. E essas realmente desapareceram, no entanto, estamos a assistir a um florescer de pequeníssimas livrarias de livreiro.
Especializadas?
Podem até não ser especializadas, mas têm um livreiro para aconselhar numa sala pequena e acolhedora. Contudo, acho que economicamente o desafio para eles sobreviverem será cada vez mais difícil, não é? E poderá sobreviver como coisa de nicho pela qual algumas pessoas ainda estão dispostas a pagar. Existem até alguns fenómenos recentes de edição em papel que são grandes êxitos. Agora do ponto de vista daquilo que é recolha de proveitos do financiamento da atividade, será cada vez mais difícil, porque o custo da noticia para as pessoas, hoje em dia, tende a custar 0. Mas alguns sobrevivem, portanto não acho que o papel vá desaparecer.
Como se gerem pessoas em tantos sítios?
E pessoas difíceis… porque, como sabe não existem duas pessoas iguais e esta é a grande diferença, não se pode tratar as pessoas de forma igual, seja qual for a atividade e a função que desempenham. Consoante as atividades económicas em que essas pessoas se desenvolvem, elas têm tendência a ter perfis que se diferenciam muito. Vamos tomar exemplos extremos para ter uma ideia. Um publicitário criativo, um homem que cria campanhas para pôr no ar e eventualmente publicitar um produto ou uma marca, e por outro lado temos um médico, ou pessoal que trabalha num hospital em enfermagem por exemplo. O enfermeiro tem conhecimento estandardizado e a sua principal função é encontrar quais as receitas que ele conhece e estudou para aplicar na pessoa que tem à sua frente. Ele vai aplicar pessoa a pessoa o seu vasto conhecimento e perceber qual a regra comum que as vai tratar. O que é que um publicitário criativo faz? A primeira coisa é que ele trata uma multidão de pessoas que nunca vê. Ele faz publicidade para pessoas que vão comprar algo que ele nunca vê nem conhece. Portanto a barreira é imensa. E, se o enfermeiro faltar a um hospital num dia, outro enfermeiro o substituirá provavelmente. Se um criativo da agência criativa, que é a cara da criação de uma campanha de publicidade, um dia qualquer desaparecer, ele não só não é capaz de não prestar os serviços ao cliente, como provavelmente o cliente vai com ele porque é ele que lhe presta esse serviço. Portanto como vê existem aqui diferenças.
Por isso têm de ser melhor tratados?
Não só tem de ser melhor tratados como temos de perceber que as normais correias de comando de uma empresa não funcionam quando as pessoas trabalham para si mesmas, e são elas que dominam o coração da atividade. Um criativo não irá produzir melhores ideias se o seu diretor lhe der ordens nesse sentido, ele irá produzir as ideias se tiver o talento e a vontade de o fazer. Por tanto são realmente pessoas muito especiais. Por outro lado, para além das funções serem diferentes como neste exemplo, a verdade é que as culturas depois também são muito diferentes. E realmente um criativo na China é muito diferente de um criativo nos EUA, ou de um criativo em Portugal e estas diferenças vêm de onde? Naturalmente são diferenças culturais e sociológicas que têm a ver com os países. Vou citar aqui talvez dois países extremos. No Japão a sociedade é mais importante importante do que o indivíduo, as pessoas apagam-se sempre em prol do bem geral. Se uma pessoa que está a trabalhar numa agência de publicidade decide ir embora da empresa, não leva o cliente, nunca o vai fazer, porque ele seria incapaz culturalmente de tomar uma atitude que possa ferir a comunidade. Nos EUA é completamente o contrário, o indivíduo é mais importante do que a organização em que se insere. O que conta nos EUA, é o triunfo da pessoa, o seu sucesso pessoal. Nos EUA a única coisa que o criativo compreende é o proveito que ele tem no projeto, portanto, mesmo com funções iguais, a verdade é que temos que acurar sempre esta enorme diferença cultural que continua a separar as pessoas.
Como sugere que seja tratado um criativo americano que pode sair da agência e levar a maior conta da empresa?
Com muito cuidado para começar. Depois aí as alavancas são muito pecuniárias, com dinheiro. Nos EUA o que fala é o dinheiro. Se ele está com vontade de se ir embora, e geralmente é porque tem uma oferta melhor Se consegue cobrir a oferta, o problema está geralmente resolvido. Quando é uma questão pessoal é diferente. É muito mais difícil quando um criativo japonês se quer ir embora, é muito mais raro, mas é muito mais difícil. Se o queremos reter temos de nos sentar e tentar perceber as razões e honestamente tentar corrigi-las.
Como devemos gerir os millennials que nasceram com a tecnologia. É assim tão diferente?
É. É uma das razões pela qual há pouco lhe disse, que quem se afasta 2 ou 3 meses perde o comboio e é difícil voltar. Há uma alteração fundamental no local de trabalho hoje em dia. Nós passamos por muitas fases, primeiro era o empowerment, que era dar o poder a todas as pessoas. Depois, veio a colaboração, ou seja, tinha de existir colaboração entre todos, nomeadamente o CEO . Posteriormente, entrámos na Era do consenso, o fim do CEO autoritário e o principio do CEO colaborativo. As organizações não eram piramidais, mas horizontais. E chegámos a uma outra Era que reflete uma mudança quântica, porque as outras eram variações de linhas, na realidade. Qual é que é a grande realidade de hoje? A que uma pessoa e o seu computador podem literalmente mudar o mundo. E, portanto, a necessidade de colaboração aparece, mas é a outro nível, a um nível de rede e de plataforma. O contacto pode ser completo mas sempre intermediado pelo computador ou o telemóvel. Há realmente aqui estes famosos millennials, que nasceram num mundo em que a interação pessoa a pessoa e a inteligência emocional deixaram de ter a importância que tinham, num mundo em que eu desenvolvi a minha carreira e que ainda é o nosso mundo. Não quer dizer que se nós os integrarmos numa empresa não sejam pessoas extraordinárias com elevada capacidade de inteligência emocional para lidar com outras pessoas.
Mas isso é a base das empresas, o que vai acontecer às empresas que têm os colaboradores por detrás de um device?
A primeira coisa que temos de saber é que estes colaboradores não têm lealdade à empresa. A lealdade à empresa desapareceu. Hoje em dia vivemos neste mundo hibrido em que as empresas precisam das pessoas e as pessoas das empresas. No entanto, já existem muitas pessoas que trabalham em empresas e que não precisam dessas empresas. Por exemplo, quem escreve código. Quem escreve código não precisa de trabalhar para uma empresa determinada. Um pedreiro também pode trabalhar para qualquer empresa de construção civil. Mas existe uma diferença, que é um acumular de saber nesta pessoa e de talento que muitas vezes só ela possui. Cada pessoa é em si própria um centro de produção e eles têm consciência disso. A primeira razão porque eles fazem estes trabalhos é por autossatisfação. Eles adoram o que fazem e adoram viver isolados naquela realidade. Adoram as suas criações. Neste mundo novo onde vivemos falar com a sociedade sem ser por aparelho interposto é menos importante. Existe uma simbiose homem/máquina que transforma as pessoas e a forma de se relacionarem com o mundo. E esta realidade é uma realidade que as empresas têm que entender. Mas não têm compromisso à empresa, e a empresa está a apostar imenso. As empresas investem muito dinheiro para encontrar os melhores talentos, com capacidades novas que ninguém sabe muito bem o que são. Eles têm compromisso à tarefa e ao trabalho que lhes é dado, e enquanto o trabalho lhes agradar e acharem que os está a enriquecer eles vão continuar lá. Não há resposta, se aquilo que procura é que lhe diga assim “como é que as empresas vão fazer para reter estas pessoas?” desista dessa batalha já, pois não vai triunfar. A única maneira de triunfar é partir do princípio de que estas pessoas ao entrarem na minha empresa, vão embora. Eu tenho de ter um modelo que conviva com esta realidade. Se quero realmente que eles fiquem continuamente a trabalhar para mim, se calhar temos de pensar noutras modalidades de trabalho. O modelo de remuneração é à tarefa e não ao salário, ou se calhar, é por prémio de coisas conseguidas. Quer dizer, toda a estrutura de recursos humanos que está hoje montada, de recrutamento, treino, avaliação, remuneração, intermediação, promoção etc., vai e já está a desaparecer.
Esta realidade nova não é verdade para toda as empresas, porque há empresas que estão em diferentes estados do que é este novo mundo. Eu estou a falar de dois extremos, a farmacêutica e a tecnológica. Portanto a realidade, acho eu, é que não há forma de reter as pessoas. É dar-lhes total liberdade. Isto cria problemas muito graves, por exemplo em matéria de remuneração. As empresas gostam de saber quanto é que custa uma determinada pessoa, como pode ser remunerada e como é que a pessoa pode ser motivada financeiramente. De uma forma geral quase todos os incentivos são financeiros. Outras empresas têm outros packs, uns de carácter hedonista, outros por exemplo de treino. Houve uma altura em que as grandes empresas enviavam todos os seus grandes quadros para Harvard para fazerem manager seminars e as pessoas sentiam-se realmente dignificadas por a empresa lhes permitir aprender com os melhores professores do mundo. Acho que na nova economia, isto tem relativamente pouca importância, se calhar o rapaz responde muito melhor se disser assim “é pá sabes uma coisa, trabalhas em Manchester e estás insatisfeito, mas realmente podes fazer o trabalho de qualquer parte. Olha, vais para Lisboa trabalhar, vens cá de vez em quando, se quiseres se não quiseres falamos por telefone. O meu incentivo é que estás lá ao sol com os teus amigos. Eu se calhar pago-te a casa”. Tem de haver um desconstruir de todo este edifício que fizemos, sobretudo no departamento de RH, tem de haver um desconstruir das regras claras que foram estabelecidas e tem de se entender que realmente as pessoas hoje em dia recusam a regra e que na maioria dos países, não todos, este atender ao individuo e à sua necessidade e há maneira como ele se quer relacionar com a empresa é mais importante do que a maneira de como a empresa se quer relacionar com ele.
Eles têm esse poder agora?
Têm.
(…)
Entrevista Exclusiva publicada na edição nº110 da RHmagazine.
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