Num contexto de disputa apertada pelos melhores profissionais para cada área agravado pela maior inflação dos últimos quase 30 anos, os empregadores reinventam-se para poder captar talentos. A RHmagazine foi saber junto de especialistas da área que políticas e regalias concretas estão as empresas a adotar para seduzir os melhores profissionais a permanecer ou ingressar nos seus quadros. Das contrapartidas sob a forma de benefícios flexíveis até às condições de desempenho das funções, sem esquecer a cultura da própria organização. Além, claro, da perspetiva salarial, suportada pelo estudo anual da Mercer Portugal acabado de sair.
A inversão dos termos clássicos da lei da oferta e da procura do mercado de trabalho para funções qualificadas originou o que já é comummente designado de “escassez de talentos”. A generalização do remoto como formato laboral equiparável ao presencial, trazida pela pandemia, acelerou esta tendência, que já dera sinais de existir antes de 2020. Em consequência disso, o horizonte geográfico de desempenho profissional alargou-se de forma substancial para os dois elos do mundo do trabalho. Esta transformação está a fortalecer a posição dos candidatos/colaboradores e, na mesma proporção, a enfraquecer a capacidade de recrutamento das organizações, pelo menos das que são ou estão em Portugal.
As empresas experimentam, assim, grandes dificuldades em contratar profissionais para posições mais especializadas, por exemplo – mas não só – nas áreas de Tecnologias de Informação (TI) e dados (“Data”). As dificuldades estendem-se, inclusive, à capacidade de garantir a permanência dos seus quadros nestes segmentos críticos.
O ano de 2022 trouxe ainda um novo e temível problema: o enorme aumento da inflação. Se este fenómeno é global, a capacidade financeira das empresas para lhe fazer frente é desigual (conforme as latitudes em que se encontrem, em particular quando se trata de empresas não multinacionais).
Perante este contexto, o que estão a fazer as empresas para assegurar talentos, para ser atrativas e competitivas, seja pela via da atração seja pelo caminho da retenção?
Desde logo – e como não poderia deixar de ser numa época de subida de preços -,
estão a “atacar” com o mais visível e convencional instrumento de compensação aos colaboradores, ou seja, o aumento do salário fixo dos colaboradores. Pelo menos, em alguns setores económicos e postos de trabalho (mais qualificados e procurados).
O Total Compensation 2022, estudo da Mercer Portugal concluído já em setembro, revela que durante o ano de 2022 há um aumento médio de 2,7% dos salários dos trabalhadores das 527 empresas que constituem a amostra daquela investigação. Em termos práticos e a título de exemplo, esta subida traduz-se em mais 27 euros (salário de 1.000 euros), 40.5 euros (1.500 euros) e 54 euros (2.000 euros), tudo em valores brutos.
Os valores em causa ficam, no entanto, muito aquém da taxa de inflação registada em Portugal (nos primeiros oito meses do ano, a média foi de 6,9%, mas se for analisado somente o segundo quadrimestre a cifra já sobe para 8,7%).
As motivações declaradas para o aumento deste ano e a comparação com aquilo que em 2021 se projetou que aconteceria em 2022 demonstram que estas subidas são encaradas muito mais como acertos salariais para quem seja deles merecedores do que reparações pela perda do poder de compra decorrente do aumento da inflação. Com efeito, segundo o estudo da consultora, a maioria das empresas “aponta como principais fatores condicionantes do incremento salarial o desempenho individual do colaborador, o posicionamento na grelha salarial e os resultados da empresa”. Em 2021, no trabalho homólogo da Mercer, a subida perspetivada para 2022 era de 2,3%, o que se traduz num acerto de 0.4 pontos percentuais, certamente devido à evolução da inflação mas ainda longe de amortecer de forma significativa os seus efeitos.
A previsão do Total Compensation 2022, ainda segundo a inquirição realizada à respetiva amostra (constituída, por categorias maioritárias, em 64 por cento de empresas multinacionais, 38 por cento com até 100 trabalhadores e 58 por cento com volume de negócios inferior a 50 milhões de euros), para os aumentos a serem concretizados em 2023 (de 2,8%) confirma esta lógica de acerto remuneratório que não contabiliza – ou não tem condições financeiras para o fazer – a inflação vigente.
O Total Compensation 2022, estudo da Mercer Portugal concluído já em setembro, revela que durante o ano de 2022 há um aumento médio de 2,7% dos salários dos trabalhadores.
Para Marta Dias, Rewards Leader da Mercer Portugal, a inflação para as empresas abordadas no estudo “parece ainda estar a ser encarada como transitória”, refletindo se por isso “apenas muito ligeiramente” nos salários por si orçamentados. Para esta especialista, “no cenário de consolidação das taxas de inflação em níveis elevados, o tema dos incrementos salariais e da sua capacidade de responder a este contexto será certamente um desafio a enfrentar pelas empresas em Portugal no curto prazo”.
E, de facto, este é o ponto de partida (crítico) da atração e retração de talento, impossível de contornar se se pretende assegurar recursos humanos de excelência. Mas não o único. As quatro consultoras contactadas pela RHmagazine (Adecco, ManpowerGroup, Multipessoal e Robert Walters) sublinharam a importância de outros aspetos – já implementados – de enorme importância, que podem ser organizados em três pilares de compensações não salariais: contrapartidas por benefícios flexíveis, condições de desempenho e cultura laboral. Todos eles, segundo os especialistas destas consultoras, tornam as em- presas mais competitivas na sua proposta para atuais ou potenciais futuros colaboradores.
Principais benefícios flexíveis:
- cheque-escola;
- seguros (de saúde, vida, capitalização/PPR)
- ginásio;
- cartão refeição (com incremento);
- passes de transporte;
- equipamento informático;
- livros;
- carro;
Flexibilidade para compensar salários
As contrapartidas pelo trabalho prestado através de compensações ou benefícios flexíveis são cada vez mais a grande arma das empresas para completar uma componente remuneratória que não pode ir tão longe quanto o colaborador desejava. Este tipo “pagamento” pode assumir uma forma concreta/material (cheque escola, por exemplo) ou constituir-se como uma espécie de género em forma de serviço (seguro de saúde, ginásio, entre muitos outros) que, não tendo um valor facial para o colaborador, permite uma tradução pecuniária rápida através de uma qualquer pesquisa simples (por exemplo, a consulta dos preços avulso desses mesmos produtos ou serviços).
“A inflação parece ainda estar a ser encarada como transitória (pelas empresas)”
Marta Dias, Rewards Leader da Mercer Portugal
Diversas plataformas de benefícios flexíveis (como a Cobee, Coverflex, Edenred e Ticket) proporcionam às empresas opções variadas que estas, por sua vez, podem endereçar aos colaboradores: ambos obtêm vantagens financeiras com esta modalidade de compensação quando comparada com a de dinheiro (pelo regi- me fiscal mais competitivo) e tiram partido da atratividade de uma oferta que, em muitos casos, permite a escolha individual das regalias a usufruir num quadro mais vasto de soluções (no número/valor previamente acordado entre as partes).
“A grande maioria das empresas está a optar por implementar modelos de compensação flexível. Através desta atribuição de benefícios o colaborador consegue aumentar a liquidez do seu salário mediante as suas escolhas e necessidades. Os colaboradores com filhos continuam a optar, em grande maioria, pela utilização dos tickets para pagamento de creches/escolas, tornando-se este o benefício com maior expressão”,refere Rúben Trilho, Senior Consultant na área de Recrutamento e Seleção Especializado da Multipessoal.
Outros benefícios muito utilizados pelos trabalhadores são ginásio, seguros de capitalização/PPR, seguros de vida, seguros de saúde (alguns incluindo o agregado familiar), incremento no subsídio de refeição, passes de transporte, equipamento informático, livros e viatura (embora apenas para posições muito específicas). O tema foi também objeto de análise do Total Compensation 2022, sendo estes os três “principais benefícios” identificados (a contagem usou como critério o número de empresas que os aplica e não os colaboradores que deles auferem): plano médico (90 por cento das empresas); política automóvel/atribuição de viatura (88 por cento) e seguro de vida (70 por cento).
“Continua a existir uma elevada migração de talento local para outros países, devido em grande parte à elevada carga fiscal existente em Portugal e aos salários menos atrativos quando comparados com outros países europeus, sendo o salário médio em Portugal, segundo o semanário expresso, o quarto mais baixo da União Europeia”
Susana Costa, Manager da divisão de Finanças, Contabilidade, RH e Legal da Robert Walters
Principais condições de trabalho (regalias):
- formação;
- plano ou horizonte de progressão profissional na empresa;
- da participação na definição do formato do trabalho até à escolha individual (com escolha dos dias conforme mobilidade: presencial/híbrida/remota);
- flexibilidade no horário (na concentração/distribuição e até no número total de horas);
- uma manhã ou tarde livre por mês (sem compensação horária);
- mais dias de férias;
- dispensa no dia de aniversário;
- consultas de nutrição e psicologia;
- fruta no escritório;
- massagens;
Ainda nas contrapartidas, tanto o estudo da Mercer Portugal como os responsáveis das já mencionadas consultoras de recursos humanos referiram os bónus: pecuniários, maioritariamente anuais e nem sempre universais (apenas para alguns colaboradores, como prémio de desempenho).
Tão importantes como estes benefícios (contrapartidas) são as condições objetivas de desempenho da função, e, neste particular, emerge claramente – de novo, mas noutra vertente – o conceito de flexibilidade, que pode assumir várias formas: desde o formato de trabalho (que deixou de ter de ser exclusivamente presencial e pode ser negociado entre as partes) à distribuição horária (trabalhar mais horas em alguns dias para suprimi-las noutros) ou à própria carga horária (dispor de uma manhã ou tarde livre por semana ou mês), passando pela configuração das instalações (com maior intervenção dos colaboradores).
“As elevadas taxas de rotatividade e a falta de pessoas qualificadas para trabalhar em determinados setores de atividade requer uma resposta dos empregadores que tem de ter necessariamente na equação de benefícios o fator flexibilidade”, realça Alexandra Andrade, Country Manager da Adecco Portugal.
Tempo para lazer e cultura de bem-estar
Alinhadas ainda em maior grau com o imperativo do equilíbrio entre as componentes profissional e pessoal do colaborador estão regalias como a concessão de mais dias de férias e a dispensa de trabalhar no dia de aniversário, que têm vindo a ser introduzidas num número crescente de organizações.
A promoção da vida saudável – já presente no work-life balance anteriormente referido – passa também pelo cuidado com o corpo e a saúde mental, no qual a empresa faz questão de ter papel ativo.
Isso mesmo é salientado por Susana Costa, Manager da Divisão de Finanças, Contabilidade, RH e Legal da Robert Walters: “As empresas optaram pela implementação de políticas de bem-estar como gym allowance, fruta no escritório, massagens, consultas de nutrição e de psicologia, entre outro tipo de benefícios”.
Permanecendo no campo das condições de desempenho, as perspetivas de progressão na organização e o enriquecimento de cada indivíduo enquanto profissional por via da aquisição de mais conhecimento e valências são dois aspetos chave para empregadores e colaboradores, consubstanciados no investimento das empresas na área da formação interna e na valorização e adesão dos trabalhadores às iniciativas deste âmbito.
Por fim, embora igualmente importante, o terceiro pilar das compensações não salariais: a cultura laboral associada a cada empresa e o seu potencial de gerar identificação com o colaborador. Valores e práticas como a consciência ambiental, a não discriminação, a política de transparência/comunicação interna clara e a inclusão na estratégia organizacional constituem os exemplos mais referenciados pelos especialistas na área dos recursos humanos.
Pedro Amorim, Corporate Sales Director do ManpowerGroup, aponta as condicionantes que enfrentam as empresas portuguesas e das expectativas que encontram: “Para competirem pelo talento, as empresas portuguesas precisam de ir além do ajuste dos seus níveis salariais. Desde logo porque, pelo contexto económico português, é-lhes desafiante acompanhar as ofertas mais vantajosas de empresas multinacionais, que estão alinhadas com os seus países de origem. Mas também porque, hoje, os colaboradores exigem outros fatores para prosperar na sua vida profissional, como sejam a flexibilidade, a autonomia, a confiança nas lideranças ou as possibilidades de desenvolvimento”.
Cultura da empresa (valores com maior impacto):
- consciência ambiental;
- não discriminação (de nenhum tipo);
- política de comunicação interna transparente e clara;
- inclusão organizacional (participação e identificação com os valores e estratégia da empresa);
O também Managing Director da Experis traça igualmente o retrato das respostas globais das organizações para assegurar que os seus quadros de colaboradores sejam compostos por talentos: “Muitas empresas portuguesas estão, assim, a desenvolver propostas de valor mais competitivas para os seus profissionais e candidatos, que têm por base, para além da componente salarial, uma maior diversidade nos modelos de trabalho, o acesso a oportunidades de desenvolvimento e formação ou ainda benefícios não financeiros, como dias de férias ou acesso a ginásios”.
Artigo publicado na edição n.º 142 da RHmagazine, referente aos meses de setembro/outubro de 2022.
Siga-nos no LinkedIn, Facebook, Instagram e Twitter e assine aqui a nossa newsletter para receber as mais recentes notícias do setor a cada semana!