Luís Miguel Neto, EdD – Professor na unidade de coordenação de gestão de recursos humanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa
Qual a origem da ‘supervisão positiva’ e qual a sua definição prática? Que consequências para a GRH?
A designação ‘supervisão positiva’ nasce a partir dos trabalhos de Frederike Bannink(1). A noção proposta e as práticas decorrentes possuem raízes em modelos inicialmente oriundos na área das psicologias ‘clínicas’, sendo a ligação mais próxima o modelo da Orientação para as Soluções(2). Estas práticas foram expandidas para as organizações, particularmente no âmbito do desenvolvimento organizacional e da gestão de pessoas. A ‘supervisão positiva’ passou assim por uma fase de validação e aperfeiçoamento no difícil contexto da prática ‘clínica’, por natureza mais circunscrita, mas também rigorosa e consequente.
Arriscando uma definição com base teórico-prática sistémica, a ‘supervisão positiva’ pode (e deve) ser vista como uma aplicação dos princípios da teoria geral dos sistemas aos grupos e organizações humanas, que tem por base a noção de “feedback” positivo, isto é, a identificação de comportamentos e processos que alimentam o avanço e aprendizagem do sistema. Isso é feito com base na informação sobre o comportamento anterior (retroação), mas tendo em vista as finalidades desse mesmo sistema, projetadas num futuro benéfico e progressivo. Assim, o sentido do termo positivo é tomado num âmbito e função de mudança estratégica e estrutural. “Feedback” positivo significa ‘dizer bem’ – ou, com a ajuda de um neologismo, ‘a+bem+soar’/abençoar. Significa, sobretudo, concretizar as potencialidades mais positivas das pessoas e dos sistemas humanos. Portanto, ‘supervisão positiva’ em GRH significa e implica, simultaneamente, a ‘atualização’(3), a criação de um “growth mindset” grupal(4) e, por último, mas não menos importante, pela liderança positiva, tal como é entendida por Kim Cameron (2010), Robert Quinn e Ryan Quinn (2015) e Lopes e Neto (2017).
Quais os ingredientes e quais as aplicações práticas da ‘supervisão positiva’?
O pressuposto recorrente nesta abordagem é que os mundos pessoais e sociais são definidos pela linguagem. Esta é vista não como um ‘espelho’ da realidade humana, mas como o elemento primordial da sua construção. “Diz-me em que comunicações, atos de fala e narrativas te envolves, dir-te-ei quem és e que qualidade de relações e mundos constróis”. Um elemento operativo fulcral desta perspetiva decorre do desenvolvimento do modelo do Inquérito Apreciativo (IA), criado por David Cooperrider (Neto, 2008). Trabalhando com este modelo, adotámos a perspetiva de Jackie Stavros e Cheri Torres que, recentemente, o expandiram. As autoras introduziram o paradigma das ‘Conversas que Valem a Pena’, unindo fenomenologia experiencial com elementos estruturais e estruturantes da comunicação nos sistemas humanos. Como nas ogivas da arquitetura medieval (ou até anteriores, como no arco de Trajano em Merida) uma só ‘pedra’ sustém a complexidade de toda a estrutura, neste caso do sistema organizacional. Para as gerações “millennials” e Z, que nasceram já num contexto de ruído de fundo informativo, “fake news” e comunicações instrumentais e não construtivas, o contexto de pós-verdade conduziu à necessidade de aprendizagem para reagir com muita seletividade à qualidade das comunicações. Mas como se distinguem, então, estas comunicações em contexto de supervisões em GRH, das outras comunicações? Um esquema inspirado nas autoras e testado no âmbito da unidade curricular de Seminário de Práticas e Estágios da licenciatura em GRH do ISCSP define as seguintes categorias para as conversas de supervisão:
- Conversas desumanizantes, destrutivas e que deixam ‘energia negativa’. Por ex: “Lá está você outra vez a fazer asneira!”
- Conversas críticas que, ainda que sejam interrogativas e bem intencionadas, só veem o negativo, deixando um rasto de energia próximo do zero. Por ex: “Porque é não fez o trabalho como devia? O que há de errado consigo?”
- Conversas de bem-estar superficial, que sendo positivas na forma, e deixando um sentimento bom, não têm consequências práticas. Por ex: “Excelente! Continue assim”, ou outros ‘reforços positivos’ verbais equivalentes;
- Finalmente, conversas que ‘valem a pena’, pois são úteis, sabem bem e fazem bem (interrogativas e apreciativas). Por ex.: “Como conseguiu esse resultado? O que correu bem? O que vai decidir manter no futuro? Qual o passo mais pequeno para transmitir e amplificar os resultados conseguidos?”
Supervisão positiva
Exemplificamos com um ato de fala/episódio extraído da experiência de estágio desenvolvido numa organização na área dos sistemas de engenharia:
Estagiário jovem, estudante do sexo masculino, dirigindo-se ao CEO do sistema-cliente, engenheiro, mais velho e do mesmo género sexual:
– “Vou enviar-lhe o CV de um candidato e de uma candidata.”
Resposta do CEO:
-“O quê, uma fêmea?”
Estagiário:
– “De uma candidata”
Segunda resposta do CEO:
-“Isso é muito raro neste ramo”.
Perante as complexidades envolvidas neste episódio/ato de fala, que vão das diferenças etárias, de género e de funções, um exemplo de supervisão positiva foi dado pela consideração de diferentes possibilidades de desenvolvimento e continuação desta comunicação, através de três possibilidades conversacionais, aqui propostas, intencionalmente, pelo estagiário: cooperativa, confrontativa e de conversas que valem a pena:
- COOPERATIVA (excessivamente condescendente e não introduzindo diferença):
– (…) CEO: (“Isso é muito raro neste ramo”)
– Estagiário: “Mas também enviei um candidato, para não fugir à norma”.
– CEO: “Ainda bem. Vou analisar esse candidato.”
-Estagiário: “Realmente, uma mulher trabalhar numa organização com tantos homens pode tornar-se uma situação potencialmente conflituosa”
- CONFRONTATIVA (introduz diferença, mas com resultados inconsequentes)
– (…) CEO: (“Isso é muito raro neste ramo”).
– Estagiário: “Desculpe?! Acho que a candidata possui até mais competências para a função.
– CEO – “Pois, mas isto é um ramo de homens.”
– Estagiário – “Isso já não existe, os tempos mudaram.”
– CEO – “Há coisas que nunca mudam!”
- PERSPETIVA DAS ‘CONVERSAS QUE VALEM A PENA’:
– (…) CEO: (“Isso é muito raro neste ramo”).
– Estagiário: “Já pensou que a candidata pode ser mais competente que muitos homens?”
– CEO: “Até agora nunca apareceu nenhuma…”
– Estagiário: “Está aberto a ser surpreendido positivamente?”
– CEO: “Sim, não leve a mal o que lhe disse, vou analisar melhor o currículo da candidata”.
De notar que, na perspetiva das conversas com valor e utilidade, as intervenções do estagiário são, do ponto de vista gramatical, sempre feitas na interrogativa e apreciativas. A supervisão positiva permite assim reenquadrar relações e episódios experienciais através da comunicação de forma a que a meta seja o desenvolvimento, quer de quem estagia, quer de quem acolhe.
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1] Bannink (2010, 2015), 2] De Insoo Kim Berg e Steve de Shazer, 3] No sentido de Abraham Maslow, 4] Como definido por Carol Dweck.
REFERÊNCIAS:
Bannink, F. (2015). Handbook of Positive Supervision. Boston, MA: Hogrefe Publ., Cameron, K. (2008). Positive Leadership: Strategies for Extraordinary Performance. San Francisco, CA: Berrett-Koehler Publishers, Inc. , De Shazer, S., & Kim Berg, I. (1995). The Brief Therapy Tradition. In: J. H. Weakland & R. A. Ray (eds.) Propagations: Thirty Years of Influence From the Mental Research Institute. Binghamton, NY: The Haworth Press, pp. 249–252., Dweck, C. S. (2010). Mind sets and equitable education. Principal Leadership, Jan, 10,(5), 26., Quinn, R. W. & Quinn, R. E. (2015). Lift: The Fundamental State of Leadership (2a Edição) . San Francisco: Berrett-Koehler., Lopes, M. P., & Neto, L. M. (2017). Liderança Estratégica para Gestores de Recursos Humanos. In M. P. Lopes, P. Palma, A. Lopes, C. Botelho, C. Gomes & H. À. Marujo (Coord.), pp. 211-246. Manual de Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: Edições ISCSP , Neto, L. M. (2008).Tudo o que sempre quis saber sobre o IA em 10 perguntas. http://inqueritoapreciativo.com/
Tudo-o-que-sempre-quis-saber-sobre-o-IA.pdf, Stavros, J. & Torres, C. (2018).Conversations worth having: Using Appreciative Inquiry to Fuel Productive and Meaningful Engagement. Oakland, Ca: Berrett-Koehler
[Artigo publicado na RHmagazine de julho/agosto 2019]