Autoria:
Catarina Brandão, Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Marisa Machado, Mestre em Psicologia das Organizações, Social e do Trabalho, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
O
conceito de liderança à distância, liderança digital ou e-liderança não é novo. Há algum tempo que se reconhece o elevado impacto da tecnologia na forma como vivemos, trabalhamos, comunicamos e organizamos a vida. Para as organizações, isto traduziu-se – também – na possibilidade de contratar alguém independentemente da sua localização geográfica, criar equipas de trabalho virtuais, uma maior flexibilidade na gestão do horário ou espaço de trabalho, sendo possível desenvolver uma atividade laboral a partir de casa ou outro local (mesmo se em trânsito/viagem). É um facto que as tecnologias de informação permitiam já há algum tempo o distanciamento físico das equipas (considere-se o caso das equipas deslocadas) e entre líderes e equipas. Com a pandemia de COVID-19, muitos tiveram de trabalhar à distância, impondo-se a urgência de considerar as especificidades da liderança à distância, nomeadamente em contexto de crise. É isso a que nos propomos neste texto, considerando as implicações da e-liderança para a Gestão de Pessoas.
O que já sabemos sobre a liderança digital?
A e-liderança é, à semelhança da liderança, um processo de influência social em que um indivíduo – o líder – guia e motiva os comportamentos de outros em prol de objetivos individuais e coletivos com impacto organizacional. Então, o que muda? No caso da e-liderança, esta orientação de pensamentos e ações face a metas de desempenho acontece à distância e a interação é mediada por recursos tecnológicos.
Não sendo esta uma prática nova, os desafios que impõe são bastante mais intensos dos que os vividos em contexto presencial – ou então, bem menos explorados, conhecidos e, portanto, dominados. De facto, os desafios do trabalho e da liderança remota não têm sido amplamente estudados e debatidos, talvez por constituírem práticas que até há bem pouco tempo eram minoritárias. Falando do que realmente se sabe sobre o tema, a verdade é que a interação dinâmica entre a liderança e a tecnologia é caracterizada por elementos cognitivos, transmitidos através de ferramentas tecnológicas como o e-mail, o MS Teams, entre outras. A mediação pela tecnologia implica vários desafios, especialmente pela ausência ou diminuição de pistas não verbais – gestos, tons e demais sinais – tornando a comunicação algo impessoal. Já relativamente à frequência dos contactos, a atualização constante que caracteriza as tecnologias de informação faz com que tenham alto potencial disruptivo no contexto de trabalho, causando dificuldades de concentração e foco na tarefa. Também os diferentes níveis de proficiência tecnológica nas equipas podem causar entropia na liderança à distância.
As especificidades de liderar em crise
A literatura sobre liderança em tempos de crise permanece escassa, principalmente no âmbito da liderança remota. Ainda assim, há alguns pontos que têm vindo a ser debatidos: face ao atual contexto pandémico, organizações e indivíduos enfrentam a necessidade de gerir a crise sanitária, social e económica, reinventando-se diariamente para amortecer o impacto de um número crescente de infetados, escassez de matérias e pessoal e interrupções nas cadeias de fornecimento. Tais desafios intensificaram a carga de trabalho dos líderes, já normalmente exigente e stressante, uma vez que tanto os colaboradores como a própria organização dependem deles para navegar situações nunca antes vividas, gerindo exigências laborais, comportamentais, emocionais e cognitivas.
Neste sentido, a capacidade adaptativa dos líderes tem sido considerada fundamental para o sucesso das organizações, especialmente em contexto de crise e numa vivência predominantemente remota.
Mais do que nunca, as organizações precisam de estratégias que promovam a eficácia na liderança em contexto virtual e ofereçam vantagens que vão além do que a maioria dos modelos existentes oferecem.
A liderança tem um papel central na abordagem estratégica desta crise e contexto digital imprevisível, ligando a organização aos trabalhadores. Neste contexto, liderar à distância implica que as maneiras pelas quais interagimos, percebemos e influenciamos sejam profundamente distintas.
Implicações para a Gestão de Pessoas
Em tempos de crise, os líderes enfrentam a necessidade de responder às necessidades de apoio e orientação das equipas, abordar as prioridades dos stakeholders e garantir a prosperidade organizacional. As organizações são responsáveis por cuidar, física e emocionalmente, da sua força de trabalho, sendo nos líderes que recai grande parte dessa responsabilidade. Havendo desafios já conhecidos ao exercício da liderança à distância, importa ter em conta que a natureza das relações já existentes é determinante para o seu sucesso, pelo que é importante analisar e trabalhar as práticas de forma contextualizada, especialmente em tempos incertos. Requer-se aos e-líderes que possuam visão, clareza e agilidade, orientando as equipas nos desafios e promovendo oportunidades de desenvolvimento, proporcionando um ambiente construtivo e seguro. Para tal, algumas estratégias devem ser operacionalizadas:
– Recorrer a canais de comunicação em função do teor da mensagem a transmitir
O e-líder deve adotar ferramentas tecnológicas adequadas ao conteúdo que pretende comunicar. Mensagens rotineiras e sem ambiguidade poderão ser comunicadas por e-mail. Por outro lado, mensagens com poder disruptivo, pouco frequentes ou ambíguas, requerem que o e-líder recorra a ferramentas que permitam uma comunicação face-a-face, mesmo que mediada por um ecrã, na ausência da possibilidade de uma presença física.
– Manter-se tecnologicamente atualizado
O líder deve, de igual forma, manter-se a par das inovações. Particularmente em contextos avessos a mudanças que implicam esforço adicional, o líder é um elo fundamental no processo de integração tecnológica – a força motriz para que qualquer ferramenta traga benefícios a longo prazo. Assim, deve avaliar cuidadosamente o investimento e a usabilidade associados a cada inovação tecnológica, percebendo como permitem dar resposta às necessidades da equipa. Posteriormente, deve dedicar-se à implementação das soluções escolhidas.
– Clarificar a direção
O e-líder deve garantir que os trabalhadores permaneçam alinhados com a direção da organização. Numa era em que lutar contra a COVID-19 significa distanciarmo-nos fisicamente, estarmos conscientes da nossa etiqueta respiratória e afastarmo-nos do nosso modo de vida globalizado, a tecnologia permitiu-nos manter o contacto com a família e, para muitos, trabalhar sem ameaça para a saúde. Contudo, a distância torna ainda mais imperativo que as equipas tenham uma clara noção da visão e estratégia da organização e o que se espera de cada um – objetivos, tarefas e metas a considerar e em relação às quais se espera que as pessoas mobilizem esforços.
– Investir nas relações
Quando se lidera à distância, importa manter o investimento nas relações de confiança e de colaboração. Para isso, os líderes devem aproveitar os momentos de contacto presencial para fortalecer relacionamentos, comunicando com as equipas, estando próximos e mostrando-se disponíveis para as pessoas de forma física, mental e emocional. Devem ainda desenvolver a sua capacidade de escutar opiniões diversas mesmo à distância, facilitando as relações.
– Premiar o esforço e o desempenho
Reconhecer o mérito e as concretizações de cada membro e da equipa enquanto unidade maior do que a soma das suas partes não deve, de forma alguma, ficar esquecido. Este é mesmo o caso em que o feedback positivo e o reforço não podem sucumbir à máxima “longe da vista, longe do coração”. Naturalmente, isso pode exigir identificar rever modelos de gestão e avaliação de desempenho, identificando formas mais ajustadas de medir o desempenho de cada colaborador e das equipas.
Concluindo, a virtualidade implica desafios e oportunidades que os líderes devem diferenciar e integrar, criando soluções sinérgicas equilibradas. A pandemia trouxe à liderança novos desafios e muitas das exigências experienciadas não vão desaparecer num contexto pós-COVID-19. A liderança digital continuará a fazer parte das nossas vidas e trabalhar os seus desafios no âmbito da Gestão de Pessoas é e será determinante.
Para isso, será também fundamental “cuidar” dos líderes atuais e futuros, promovendo, nomeadamente, culturas de autocuidado dos líderes que exercem a sua atividade em modo presencial, à distância ou ambos.
Bibliografia de apoio
Johansen, R. (2012). Leaders make the future: Ten new leadership skills for an uncertain world. Oakland: Berrett-Koehler Publishers.