[Artigo publicado na edição 131 da RHmagazine]
Autor: Pedro Melo Novo, Professor do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave
A Era Digital vai permitir avanços tecnológicos aos RH, em particular às suas práticas. No entanto, a forma como vamos lidar e implementar os avanços tecnológicos é que vai ditar o seu (in)sucesso.
Em 2016, o governo português iniciou um conjunto de contactos para o desenvolvimento de uma estratégia para a indústria 4.0 (i4.0), envolvendo empresas como Altice, Bosch, Deloitte ou a Google. O objetivo era preparar o tecido empresarial português para a quarta Revolução Industrial. A i4.0 consiste em construir uma empresa digital, muitas vezes designada de “fábrica inteligente”, assente em meios digitais, como sistemas ciber-físicos, robótica, inteligência artificial ou automatização de processos. Esta nova realidade exige à gestão empresarial, em particular à gestão de recursos humanos, uma (r)evolução. A era digital vai permitir avanços tecnológicos aos RH, em particular às suas práticas, no entanto, a forma como vamos lidar e implementar os avanços tecnológicos é que vai ditar o seu (in)sucesso. A figura 1 representa alguns dos desafios que a gestão de recursos humanos vai enfrentar na evolução digital.
Influência da inteligência artificial nas políticas e práticas de recursos humanos
O rápido desenvolvimento da inteligência artificial traz grandes desafios à gestão de recursos humanos (GRH), principalmente pelo contributo que pode dar às políticas e práticas ditas tradicionais. A inteligência artificial, isto é, a simulação da inteligência humana em máquinas, permite, por exemplo, potenciar o recrutamento e seleção, identificando um perfil de candidato, com características específicas em tempo record, possibilitando uma economia de tempo e esforço; ou a avaliação de desempenho, através de uma avaliação em tempo real e não necessariamente num período trimestral, semestral ou anual, facilitando a função do gestor de recursos humanos nas tarefas mais administrativas e com maior grau de subjetividade. A inteligência artificial pode assumir um papel relevante no contexto dos RH. No entanto, o ser humano é insubstituível, sendo fundamental dosear o uso da tecnologia com as capacidades do ser humano para uma GRH mais estratégica, com impacto e suficientemente “humana” (ver figura 2).
O papel da realidade virtual e aumentada
A nossa sociedade está cada vez mais digital, quer seja pelas tecnologias que nos rodeiam como internet of things, quer seja pela nova realidade da indústria e serviços, tais como a i4.0, business intelligence & analytics ou a realidade virtual e aumentada. A realidade virtual é uma simulação artificial, gerada por computador com a recreação de um ambiente ou situação real (2), enquanto a realidade aumentada permite uma combinação de elementos do mundo real, com elementos como texto, imagens, vídeo ou animações 3D (3). Ambas podem ter um papel importante no despontar de novas estratégias de formação e desenvolvimento, ou mesmo possibilitando aos gestores de recursos humanos novas ferramentas para um recrutamento e seleção mais aprimorado. Os investigadores têm vindo a desenvolver vários projetos sobre realidade aumentada para sistemas de aprendizagem em sala de aula, em áreas como química, matemática ou biologia (2). A realidade virtual e aumentada poderá alavancar a prática de formação e desenvolvimento para um nível estratégico e com verdadeiro impacto no negócio. Por exemplo, será útil avaliar um candidato através da realidade virtual e aumentada para perceber se tem condições para assumir a função de técnico de trabalhos em altura, ou se está preparado para lidar com situações de stress. O potencial é imenso e a função de RH terá muito a ganhar com estas tecnologias.
O impacto do analytics na tomada de decisão em GRH
O business analytics trouxe de novo o debate sobre o futuro da GRH como uma função estratégica para uma organização. Conforme afirma Angrave e outros (4), o mundo dos RH está em agitação com os novos conceitos como big data e o potencial de transformação que terá para os RH, principalmente pela noção instituída de que o business analytics é o futuro da GRH como função estratégica. Isto porque é uma disciplina que foi desenvolvida na relação entre a engenharia, ciência da computação, estratégias de tomada de decisão e métodos quantitativos, que permite organizar, analisar e criar sentido para uma ampla gama de dados que foram gerados em vários contextos (5). Surge então o HR analytics (também designado por people analytics ou workforce analytics) como uma abordagem multidisciplinar que integra metodologias para melhorar a qualidade das decisões em RH. É uma prática de RH capacitada pelas tecnologias da informação que utiliza análises descritivas, visuais e estatísticas de dados relacionados com os processos de RH e o desempenho organizacional (1), e uma abordagem multidisciplinar que integra metodologias para melhorar a qualidade das decisões (6) e que se responsabiliza por identificar e quantificar dados relevantes sobre as pessoas e o seu impacto nos resultados do negócio (7). HR analytics não é uma profissão nova, mas um avanço tecnológico que promove a melhoria da eficácia e eficiência de uma organização (8). O potencial é imenso para a função RH. No entanto, é necessário esclarecer algumas questões sobre como capacitar os gestores de RH para esta nova prática, ou qual o ponto de equilíbrio entre os dados subjetivos e objetivos nos processos de RH.
O equilíbrio entre a gestão de recursos humanos tradicional e digital
Conforme apontam Stone e Dulebohn (9), a tecnologia tem influenciado profundamente os processos de RH, permitindo novas linhas de pesquisa e, consequentemente, novos processos e ferramentas de gestão. Os sistemas de informação em gestão de recursos humanos (em inglês HRIS) são um exemplo disso, com o suporte ao registo, armazenamento e análise dos dados sobre os RH, permitindo aos gestores a implementação mais eficaz das práticas de RH, como o recrutamento e seleção ou a avaliação de desempenho. Mais recentemente, surgiu o conceito e-HRM (Gestão de Recursos Humanos na vertente digital), diferente do conceito HRIS. O HRIS é direcionado para o departamento de RH, com o objetivo de melhorar os processos de RH, sendo que, no caso de e-HRM, o grupo-alvo não são os gestores de RH, mas sim os funcionários e a gestão da empresa (10). Definir a GRH na vertente digital implica o uso de vários conceitos e significados. Segundo Strohmeier (11) significa planear, implementar e aplicar tecnologias de informação em redes e atores de apoio à execução das atividades de RH. Para Ruël e outros (10) é uma forma de implementar políticas, práticas e estratégias de RH nas organizações com suporte direto às novas tecnologias. O termo e-HRM é apresentado por vários autores (11), mas outros termos são usados com o mesmo significado, como virtual HRM (12) ou Web-based HRM (10). A aproximação dos sistemas de RH às pessoas, através de meios digitais, não implica que seja descorado o contacto pessoal. Estes sistemas podem alavancar o papel dos RH como parceiro de negócio e com uma função mais estratégica. Para uma definição mais precisa do papel da e-HRM, é necessário perceber se o conceito é uma evolução natural da GRH tradicional; se é um conceito desenvolvido por questões de moda; ou se permitirá uma dimensão mais estratégica.
O desafio de gerir uma nova forma de trabalho
A natureza do trabalho e a forma como trabalhamos não será a mesma. O desenvolvimento da automação, promovida pela robótica e inteligência artificial, traz a promessa de maior produtividade às organizações. Contudo, levantam-se questões difíceis de resolver, como o impacto da automação nos empregos, nas competências exigidas ou na própria natureza do trabalho, que terá de se adaptar a esta nova realidade. Um artigo desenvolvido por Manyika e Sneader (13) sugere que o trabalho precisará de ser redesenhado para garantir que os seres humanos trabalhem ao lado das máquinas de forma eficaz, o que vai exigir novas competências para prosperar no local de trabalho do futuro; um reajuste de funções e ocupações; alterações no fluxo de trabalho; e alterações salariais, fruto da automação de processos e tarefas. As alterações da natureza do trabalho vão implicar uma nova realidade para os RH, exigindo novas competências aos gestores de RH e uma adaptação das políticas e práticas. A fase de transição será um desafio acrescido na reorganização de funções e salários e, possivelmente, haverá uma maior instabilidade laboral, pelos despedimentos e contratações.
Conclusão
A gestão de recursos humanos deve preparar-se para o mundo digital, aproveitando as mais-valias que podem advir das novas tecnologias, reajustando os seus processos, práticas e políticas, sempre com o princípio de que a gestão de recursos humanos é feita de pessoas para pessoas. Dashboards, métricas, plataformas e sistemas de informação são ferramentas para serem utilizadas com peso e medida, com a finalidade de apoiar a função de RH e nunca o contrário. O gestor de RH deve preparar-se para uma função mais desafiante e complexa, com a exigência de novas competências associadas a algoritmos, ciência de dados, estatística e capacidade de resolução de problemas.
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BIBLIOGRAFIA
›› (1) Jarrahi, M. H. (2018). Artificial Intelligence and the Future of Work: Human-AI Symbiosis in Organizational Decision Making. Business Horizons, 61(4), 1-10.
›› (2) Lee, K. (2012). Augmented reality in education and training. TechTrends, 56(2), 13-21.
›› (3) Martín-Gutiérrez, J., Fabiani, P., Benesova, W., Meneses, M. D., & Mora, C. E. (2015). Augmented reality to promote collaborative and autonomous learning in higher education. Computers in Human Behavior, 51, 752–761.
›› (4) Angrave, D., Charlwood, A., Kirkpatrick, I., Lawrence, M., & Stuart, M. (2016). HR and analytics: Why HR is set to fail the big data challenge. Human Resource Management Journal, 26, 1–11.
›› (5) Mortensen, M., Doherty, N. & Robinson, S. (2015). Operational research from Taylorism to terabytes: a research agenda for the analytics age, European Journal of Operational Research, 241 (3), 583-595.
›› (6) Mishra, S. J., Lama, D. R., & Pal, Y. (2016). Human Resource Predictive Analytics for HR Management in Organisations. International Journal of Scientific and Technology Research, 5(5), 33–35.
›› (7) Heuvel, S. & Bondarouk T. (2016). The rise (and fall) of HR analytics: a study into the future application, value, structure, and system support. Paper presented at the second HR Division International Conference (HRIC). Sydney, AU.
›› (8) Stone, C.B., Neely, A.R., Lengnick-Hall, M.L. (2018). Human resource management in the digital age: big data, HR analytics and artificial intelligence. In: Melo, P.N., Machado, C. (Eds.), Management and Technological Challenges in the Digital Age. CRC Press, pp. 13-42.
›› (9) Stone, D. L., & Dulebohn, J. H. (2013). Emerging issues in theory and research on electronic human resource management (eHRM). Human Resource Management Review, 23(1), 1–5.
›› (10) Ruël, H., Bondarouk, T., & Looise, J. K. (2004). E-HRM: Innovation or Irritation. An Explorative Empirical Study in Five Large Companies on Web-based HRM. Management Revue, 15(3), 364–380.
›› (11) Strohmeier, S. (2007). Research in e-HRM: Review and implications. Human Resource Management Review, 17(1), 19–37.
›› (12) Lepak, D., & Snell, S. (1998). Virtual HR: Strategic Human Resource Management in The 21st Century. Human Resource Management Review, 8(3), 215–234.
›› (13) Manyika, J., & Sneader, K. (2018). AI, automation, and the future of work: Ten things to solve for.
[Artigo publicado na edição 131 da RHmagazine]