Autora: Renée Rivest, Presidente e fundadora da ReGain
[Artigo publicado na RHmagazine de novembro/dezembro]
A pandemia da Covid-19 veio recordar-nos que a vida é viva, surpreendente, e será que isso nos leva a tornarmo-nos a melhor versão de nós mesmos, individual e coletivamente?
O que vai acontecer nas próximas semanas, meses, anos ou mesmo dias, poucas pessoas poderão dizê-lo. E talvez isso até seja positivo. Isso obriga-nos a olhar para as coisas de outro ângulo, de outra perspetiva, com um olhar novo. Uma sensação de vertígio. É como construir um avião em pleno voo! Uma tarefa impossível? Ou simplesmente um recordatório de que a vida é mesmo assim, viva, surpreendente e turbulenta?
Todos os ecossistemas económicos, sociais, comunitários estão interligados. Como dar sentido a estes acontecimentos e, sobretudo, como continuar a viver bem nas nossas empresas, nas nossas comunidades? É aqui que intervém o conceito de resiliência. E de que estamos a falar quando abordamos o conceito de resiliência ao nível organizacional?
“A resiliência é a habilidade de uma pessoa ou grupo se projetar no futuro, apesar de eventos desestabilizadores, de condições de vida difíceis e, às vezes, de traumas graves.” Fonte: Vanistaendel, Lecompte, Cyrulnik.
O conceito de resiliência convida-nos a continuar em ação, apesar dos momentos difíceis, desconfortáveis e até dramáticos que nos acontecem. Mais ainda, convida-nos a ver essas situações turbulentas como oportunidades de transformação pessoal, organizacional e coletiva.
As origens do conceito de resiliência aplicado à psicologia e sociologia
Este conceito foi aplicado, durante muito tempo, à física dos materiais e depois evoluiu na década de 1980 para os campos da psicologia e da sociologia. Emmy Wagner e Boris Cyrulnik foram os primeiros investigadores. Este conceito de resiliência associado aos humanos traz nuances e distinções que diferem da sua aplicação original.
Ao contrário da noção de resiliência material que sugere um retorno ao estado inicial, a aplicação à natureza humana oferece uma noção de transformação, um novo estado após o estado de choque. Nunca seremos iguais como indivíduo, organização ou comunidade depois de o período de turbulência ter passado. Algo mudou (crenças, formas de fazer as coisas, modos de interação, etc.) e isso permite-nos continuar a jornada de forma construtiva.
O que distingue um processo de resiliência
- Atravessar uma zona de turbulências trará desconforto emocional, mal-estar e sofrimentos de diferentes formas.
- Haverá transformação.
O ponto 2 assume toda a importância para os gestores e profissionais da área de recursos humanos. Com efeito, um dos conceitos cada vez mais destacados é a importância do apoio social para permitir esta transformação nestas passagens exigentes.
“Você nunca é resiliente sozinho” Boris Cyrulnik
A resiliência de uma pessoa e/ ou organização depende em parte do seu suporte social, ou seja, da presença adequada de pessoas atenciosas e tranquilizadoras. O que chamaremos de “tutores de resiliência”.
O que é um tutor de resiliência? É uma pessoa que transmite esperança e desafia a coragem de atravessar aquelas áreas “incómodas” que os tempos de turbulência nos trazem. É alguém que tem a capacidade de perceber, apesar dos mal-entendidos ou dos erros que se podem cometer, a intenção positiva das pessoas que integram as equipas. Essas pessoas têm a capacidade de receber estados emocionais sem julgamento, permanecendo calmas e serenas, e percebendo o potencial de cada um para encontrar os seus recursos internos para melhorar. Este estado de acolhimento e de calma ajuda a gerar uma atmosfera de “segurança” essencial à recuperação. Isso permite que o sistema nervoso saia de um estado de “sobrevivência” e entre em ação.
“Só se pode ser resiliente se existir um ambiente de segurança interior e/ ou exterior” (ou seja, sem risco de rejeição, abandono, julgamento, violência verbal, psicológica e/ ou física).
Essas pessoas preciosas podem ser encontradas em todos os níveis da empresa ou organização. Encontrá-las e pedir o seu apoio é certamente uma estratégia muito útil nesta altura nas empresas. Isso vai depender da nossa capacidade de dialogar, explorar, confiar uns nos outros! Esta noção de confiança tão cara a todo o ser humano surge da noção de apego “seguro”, este lugar onde podemos ser acolhidos e recebidos na nossa vulnerabilidade sem risco de julgamento, abandono, violência física, psicológica, emocional ou verbal. Porque, quando a vida se vira de cabeça para baixo, nos incomoda, muitas vezes, perdemos o rumo. Esta zona do “conhecido” desapareceu.
Novos avanços na neurociência estão a abrir caminho para esse conceito pouco explorado até hoje, a saber, o da segurança emocional e dos seus efeitos. Esses avanços dão-nos acesso a uma série de novos caminhos, seja em teambuilding, resiliência, gestão do stress, empreendedorismo, estratégias de negócios, etc. Graças a estas
pesquisas em neurociência e epigenética (a teoria que tenta estabelecer que o ambiente em que vivemos influencia diretamente os nossos genes), está comprovado que diversas deficiências emocionais na construção da identidade estão na origem dos sintomas de depressão, ansiedade e insegurança presentes no nosso cotidiano.
John Bowlby, autor de Attachment Theory, considera a ligação emocional “segura” essencial para a sobrevivência humana. Vários investigadores, incluindo Joël de Rosnay, Peter Levine, Bessel Van der Kolk, Dawson Church e o Dr. Stephen Porges demonstram que essa noção de “segurança” ou “insegurança” está inscrita no nosso corpo. O nosso corpo sabe se estamos seguros ou não. Todos nós temos sintomas que nos dizem se estamos no modo “alerta/ perigo” ou se estamos no modo de “abertura”, disponibilidade para nós próprios e para os outros. O princípio é simples e fundamental. Viemos ao mundo pensados para nos conectarmos. Desde o primeiro suspiro, embarcamos numa busca que vai durar toda a nossa vida… Sentirmo-nos seguros no nosso corpo, no nosso ambiente e nas nossas relações com os outros torna-se uma busca inconsciente que não estará apenas ligada à nossa própria história, mas também à dos nossos antepassados, porque os carregamos dentro de nós. Fascinante, não é? Portanto, carregamos certas reações, certos medos, certos impulsos que não pertencem à nossa vida presente, mas que podem vir da história dos nossos antepassados, aos quais permanecemos leais. Mas tudo isso pode fazer com que nos desviemos do nosso caminho “real”. Limpar o que é meu e o que pertence à minha linhagem pode, portanto, ser muito libertador.
O sistema nervoso autónomo é o nosso sistema de monitoramento pessoal. Está sempre em vigilância, questionando “estou seguro”? Quando a resposta é um sim definitivo, então entramos no universo de todas as possibilidades. As áreas de turbulência estimulam diretamente este modo de “alerta/ perigo” porque desafiam diretamente a nossa identidade individual e/ ou coletiva.
Definição de identidade
“Sentir o direito de existir, de se representar no ato de viver, existir por si mesmo, pelo grupo e dentro de sua organização.” Fonte: G. Koninckx, G. Teneau, resiliência organizacional, de Boeck, 2010, p.59.
Este diagrama representa o local exato onde os tutores de resiliência e a noção de segurança são essenciais para permitir a recuperação.
Como promover a resiliência nas nossas organizações?
A criação de “células de resiliência”, abundante e brilhantemente apresentada no trabalho de Guy Koninckx e Gilles Teneau, é uma estratégia de gestão muito interessante. Essas células de resiliência são espaços de encontro onde pessoas de diferentes departamentos da empresa se reúnem para trocar ideias, experiências, emoções e, em conjunto, explorar soluções para os desafios encontrados. O ambiente desses encontros é essencial para permitir a “recuperação”. Deve existir um clima de alta segurança, onde ninguém será julgado ou rejeitado. Empatia e gentileza serão essenciais. Pessoas que naturalmente sabem gerar esse clima de segurança devem ser convidadas para estas reuniões de partilha.
Estabelecer uma cultura de curiosidade e gratidão nas nossas organizações é uma das estratégias mais promissoras. A curiosidade tira-nos do drama e traz-nos de volta imediatamente ao “presente” num espírito de abertura e criatividade.
É lógico. A sensação de perder o rumo imediatamente faz com que entremos em modo sobrevivência e desencadeia uma série de mecanismos de proteção (tentamos voltar à nossa zona de conforto, do conhecido). Voltar à calma quando as nossas referências foram profundamente abaladas requer grande domínio pessoal e/ ou muita confiança nos nossos recursos internos. E isso não é fácil para toda a gente.
Ninguém vai reagir da mesma maneira às turbulências. Alguns terão dificuldade em fazer essa mudança na direção de uma transformação por uma variedade de razões. Alguns vão sair da empresa por outros projetos, outros horizontes. Alguns enfrentarão desafios como ansiedade, dúvidas, paralisia e podem surgir problemas de saúde. Outros irão abrir as suas asas, realizar-se, libertar-se das limitações e encontrar todo o seu potencial. Cada um vai experimentá-lo à sua maneira, dependendo das suas experiências, crenças, realidade e do ambiente em que se encontram.
Imagine se pudéssemos começar um negócio a partir desse lugar “pacífico” dentro de nós! Tudo se tornaria então mais fácil, mais fluido, mais natural. É muito mais fácil mobilizar a nossa intuição, essa sabedoria que nos guia e nos inspira a partir do nosso interior e que nos conecta a algo maior do que nós. A nossa capacidade de inovar, de aproveitar e reconhecer oportunidades, as parcerias “certas”, que vibram e fazem crescer as pessoas, também se manifestam de forma mais clara. Podemos então florescer orgânica e naturalmente em projetos que cocriamos com outros, aqueles outros que também vibram com o que é melhor, o que é certo neles próprios. Como fazer? Ouvindo o nosso corpo. Ele sabe. É o nosso maior aliado.
As oito condições que promovem o potencial de resiliência
- Fomente um ambiente de segurança em si mesmo e/ ou ao seu redor
- Compartilhe a sua história sem vergonha
- Dê sentido ao que está a acontecer
- Conheça-se bem (história, pontos fortes, necessidades, vulnerabilidades)
- Mantenha uma atitude de gratidão e curiosidade
- Mantenha a esperança e o sentido de humor
- Procure ajuda (tutores de resiliência, suporte emocional e terapêutico)
Os ganhos com esta turbulência
- Simplificação das redes de comunicação
- Maior espírito de equipa e maior colaboração entre serviços
- Fluidez dos papeis e responsabilidades. A missão da organização passa a ser o mais importante
- Descoberta de novas maneiras de fazer as coisas e aquisição de novos conhecimentos
- Aumento da inovação, capacidade de fazer as coisas de maneira diferente, ousar explorar caminhos inexplorados
- Aumento e valorização da intuição nos processos de tomada de decisão. O racional já não é o único fator de decisão
Podemos realmente fazer uma grande diferença. Obrigado por acreditar no melhor do ser humano e por acompanhá-lo no seu caminho. Realmente fazemos o melhor trabalho do mundo.
Cuide bem de si!
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REFERÊNCIAS
›› Bolte Taylor, J. (2008), Voyage au-delà de mon cerveau, Editions Jean-Claude Lattès
›› Cyrulnik, Boris (1999), Autobiographie d’un épouvantail, Odile Jacob Éditions.
›› Cyrulnik, Boris (2002), Un merveilleux malheur, Odile Jacob Éditions.
›› Cyrulnik, Boris (2013), Sauve-toi, la vie t’appelle, Odile Jacob Éditions.
›› Gray, M. (1971) Au nom de tous les miens, Éditions Robert Laffont.
›› Dawson Church, Le génie dans vos gènes, médecine épigénétique et biologie de l’intention, 2018
›› De Rosnay, Joël, La symphonie du vivant,comment l’épigénétique va changer votre vie, mars 2018
›› Giacobino Ariane, Peut-on se libérer de ses gènes ? L’épigénétique, Editions STOCk, février 2018
›› Jodoroswky, Alejandro. Metagenealogy: Self-discovery Through Psychomagic and the Family Tree, 2014
›› Koninckx, G., Teneau, G. (2010), Résilience organisationnelle : rebondir face aux turbulences, Éditions de Boeck.
›› Levine, Peter: Tous ses livres sont d’excellentes sources d’informations
›› Rivest, R. (2004), Êtes-vous Tintin, Milou, Haddock… L’aventure humaine au travail,
Septembre Éditeur.
›› Marquis, S. (2012), Pensouillard, le Hamster. Éditions Transcontinental
›› Pourtois, J-P., Humbeeck, B., Desmet, H. (2012), Les ressources de la résilience, Éditions PUF.
›› Rousseau, S. (2010), Développer et renforcer sa résilience. Vivre heureux même si…, Éditions Québecor.
›› Clerc, Olivier, Lâche ton trapèze et attrape le suivant, Bien réussir les transitions de la vie, Eyrolles Editions
›› Schutzenberger, Anne, Psychogénéalogie, guérir les blessures familiales et se retrouver soi, 2012
›› St-Arnaud, Louise, Retour au travail après un congé de maladie, CARACTÈRE éditions, 2015
›› Vander Kolt, Bessel. Le corps n’oublie rien, Albin michel, 2018
›› Wolynn Mark: It didn’t start with you, How Inherited Family Trauma Shapes Who We Are and How to End the Cycle, avril 2016