Autor: Mário Ceitil, Presidente da APG (Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas)
Nas organizações, é frequente ouvirmos queixas e protestos, vindos de diferentes estratos populacionais e de diferentes áreas, sobre «falta de informação» ou, no mínimo, informação insuficiente e mal transmitida.
De um modo geral, estas observações visam (quase) sempre os supostos emissores das respetivas mensagens, colocando neles todo o ónus das alegadas e protestadas insuficiências. Esta tendência pode chegar ao ponto de haver quem acredita e defenda com convicção e prováveis ressonâncias de «teoria da conspiração» que os eventuais défices de informação não são (só) devidos à pura e simples incompetência da fonte emissora, mas também resultam de estratégias deliberadas para gerar intencionalmente interpretações distorcidas de factos e de ocorrências.
Embora não escamoteando o facto de, num mundo em que a informação continua a ser uma poderosa fonte de poder, existirem muitos «vícios privados» por detrás das «públicas virtudes» dos meios e agentes de informação, há um outro elemento que, muito embora seja menos referido, tem um impacto determinante na maior ou menor eficácia dos processos de informação/comunicação: é que, como é demonstrado num estudo recente publicado na edição de fevereiro/março (2021) da Harvard Business Review (edição em língua francesa), as pessoas «esquivam-se voluntariamente a informações que lhes poderiam ser úteis».
O termo «esquivam-se», que traduzo diretamente do título da entrevista publicada («Nous esquivons volontairement des informations qui pourraient nous être utiles»), sugere precisamente que, ao contrário do senso comum, segundo o qual o óbvio é que as pessoas normalmente procuram e desejam obter informações que lhes possam vir a ser úteis, o estudo conclui que as pessoas não só não querem saber determinadas informações, como se afastam intencionalmente da possibilidade de as obter. É justamente esta atitude de evitação do saber que os autores do estudo designam por «Ignorância Deliberada».
A ideia de que o processamento interno de informação tem interferências subjetivas relacionadas com a intencionalidade do recetor já não é propriamente uma novidade, tendo sido popularizada e até universalizada sob a conhecida expressão de «as pessoas só ouvem aquilo que querem ouvir». A contribuição mais interessante deste estudo está, contudo, na demonstração de que as pessoas não só não querem procurar certo tipo de informações que lhe poderiam ser úteis, como evitam ativamente receber essas informações quando as mesmas estão disponíveis e são facilmente acessíveis, o que se alinha por sua vez com uma outra expressão popular, segundo a qual «o pior cego é aquele que não quer ver».
Mas ainda a maior originalidade deste estudo está na proposta, devidamente fundamentada, de que as causas do fenómeno residem sobretudo na perceção, por parte do recetor, do «custo hedonista» das informações recebidas, ou seja, a medida em que cada pessoa sente que a posse de certo tipo de conhecimentos pode prejudicar o seu sentimento de «bem-estar subjetivo». Por outras palavras, quando as pessoas sentem que uma determinada informação apresenta um elevado potencial de risco para aumentar o «custo hedonista», tendem a assumir, defensivamente, a atitude de «não quero nem saber».
De acordo com o estudo, algumas das situações em que este fenómeno é mais evidente são mais ou menos óbvias, como, por exemplo, quando se pergunta às pessoas se gostariam de saber quanto tempo têm de vida, caso isso fosse possível, bem entendido. As respostas, nesse caso, foram maioritariamente «não».
No entanto, algo mais interessante para a gestão das pessoas nas organizações é o facto de, por exemplo, haver uma grande percentagem de respondentes que afirmam não querer realmente saber qual é a avaliação que as chefias e colegas fazem das suas forças e fraquezas, com receio de que a informação de retorno possa de algum modo diminuir ou abalar a imagem que têm de si próprios.
Conclusões como esta podem constituir um ponto importante de reflexão sobre, por exemplo, as práticas tradicionais de Avaliação de Desempenho e até mesmo instrumentos tão generalizados como o feedback 360º. Na verdade, a questão concreta que se coloca é: Qual é o efetivo potencial transformador de mentes e comportamentos de ferramentas que, embora forneçam muita informação, é precisamente de um tipo de informação do qual as pessoas tendem a «esquivar-se»?
Citando uma frase muito conhecida de um igualmente conhecido canal de rádio, «talvez valha a pena pensar nisto».
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