CRIAR COMUNIDADES DE IMAGINAÇÃO PARTILHADA: UM NOVO IMPERATIVO DA COMPETITIVIDADE
Autor: Mário Ceitil, Presidente da AP
Na tradição individualista do “self made man”, muito alinhada com uma leitura talvez um pouco apressada da perspetiva do darwinismo social que consagrou o famoso paradigma da “lei do mais forte” aplicado às sociedades humanas e às organizações, as estratégias de mercado têm sido dominantemente orientadas para lógicas de competição maniqueístas, de acordo com as quais há sempre alguém que ganha e, consequentemente, alguém que perde. Estas lógicas têm sido identificadas pelo famoso paradigma de interação humana de “win-lose”, que fez tradição durante longos anos nas estratégias de negociação, tanto em teoria como nas práticas quotidianas em diversos contextos.
Estas práticas que se têm traduzido em comportamentos de “win-lose” têm usado como referência a procura e a posse de informação sobre os adversários, particularmente sobre as suas fragilidades mais críticas, utilizando justamente essa informação, guardada e protegida a “sete chaves”, como instrumento de poder e domínio sobre a concorrência. Decorre desta lógica a famosa frase que, ainda hoje, é muitas vezes citada quase como verdade absoluta, de “o segredo é a alma do negócio”.
Hoje, no entanto, vivemos numa realidade completamente diferente ou, pelo menos, e fazendo jus a um certo realismo de base empírica, vivemos num ambiente em que os paradigmas enunciados como válidos são muito, ou mesmo radicalmente, diferentes daqueles que foram enunciados anteriormente.
Hoje, na era da revolução digital e num mundo muito menos espartilhado em feudos sociológicos ou económicos referenciados apenas a si próprios, o verdadeiro diferenciador competitivo não passa por cada operador dominar cada vez maiores “fatias” do mercado; passa, sim, por cada operador, através do seu sentido empreendedor, da sua imaginação e da sua capacidade para inovar, gerar “mais” e, sobretudo, melhores mercados, criando ecossistemas económicos e sociais onde não só todos cabem, mas, e sobretudo, onde o sucesso de cada um nutre a capacidade de outros para alcançarem o sucesso.
DE facto, e como é muito expressivamente assinalado na edição especial de Verão (2021) da HBR, assistimos, e participamos, hoje num processo de profunda transformação dos “business models” tradicionais; essa transformação é assente numa reconcepção sobre o que é a competição, segundo a qual “competir é identificar, de modo crescente, novas formas de colaboração e de conexão em vez de simplesmente oferecer ao mercado propostas de valor alternativas”.
Curiosamente, esta conceção tem um muito evidente alinhamento com as perspetivas mais recentes da neurociência e da biologia, particularmente no que diz respeito à caracterização dos fenómenos da “homeostase”, ou seja, as estratégias que os seres vivos dinamizam tanto para sobreviverem (” persistir”, na perspetiva de António Damásio) como para crescerem e florescerem (“prevalecer”, na designação do mesmo autor).
De acordo com estas perspetivas, se os seres vivos se limitarem a realizar um conjunto de estratégias de pura sobrevivência, aproveitando ao máximo os recursos a que conseguirem ter acesso, estarão condenados, num futuro mais ou menos incerto, embora inexorável, a definhar e a morrer. Para “prevalecerem” no tempo e no espaço de vida, é necessário, por isso, mais do sobreviver: é preciso reinventarem-se, através da recriação dos ecossistemas onde vivem e criarem um novo ambiente, mais rico em recursos e em novas oportunidades, coisa que só será possível através do estabelecimento de laços de conexão com outras espécies e estratégias comuns de coalescência e de coevolução.
Para transpormos estas ideias para a atual realidade sócio económica, confrontamo-nos com alguns desafios importantes:
– Passarmos de uma pura lógica de procura de lucros privados, para uma lógica de construção de benefícios para todos;
– Passarmos de uma lógica de competitividade “antropófaga” (tipo devorar e aniquilar a concorrência”), para uma ação “antropogénica”, ou seja cada um dar o seu contributo para que existam melhores oportunidades para todos;
– Passar de uma visão “micro” em que cada um só olha para o seu “umbigo”, para uma visão verdadeiramente sistémica em que cada parte isolada só realiza o seu mais profundo sentido quando se entrosa na sublimidade do todo.
Serão desafios fáceis? Provavelmente não.
Até porque, para além do já foi dito, há ainda uma outra questão, porventura mais crítica, que ainda teremos de resolver: a de que para construirmos um melhor futuro para todos, teremos de, pelo menos em alguns aspetos, renunciar a algumas prerrogativas individuais do presente.
Estaremos nós preparados para o fazer? Que cada um responda por si.
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