Apesar de a resposta proativa das empresas aos desafios financeiros que uma grande fatia da população está a atravessar atualmente ser positiva, do lado da prevenção muitas organizações ainda não têm total consciência de que a aposta no incremento das competências financeiras dos seus recursos humanos pode ser uma franca mais-valia.
A pertinência de abordar este tema junto das equipas pode ainda não ser totalmente clara para as empresas, no entanto, os dados do Banco Central Europeu (BCE), relativos a 2021, mostram que Portugal ainda se encontra muito aquém dos restantes países da UE em termos de literacia financeira, tendo mesmo ficado em último lugar ranking de literacia financeira dos 19 países da zona euro.
Para Sérgio Rodrigues, co-fundador e CEO da MeuCapital, plataforma de educação voltada para a criação de conteúdo poupança, empreendedorismo e investimento, a falta de competências financeiras em Portugal é “cultural” e a falta de debate em torno deste tema tem vindo a dificultar a possibilidade de a educação financeira vir a fazer parte da vida das pessoas desde cedo.
Falta de competências financeiras é cultural e medidas para a combater são insuficientes
“O Plano Nacional de Formação Financeira foi lançado em 2011 pelos três supervisores financeiros – Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Instituto de Seguros de Portugal (atual Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões)”, explica Sérgio Rodrigues. “De acordo com o Relatório de Atividades, em 2022, O Banco de Portugal, por exemplo, dinamizou ações de formação por todo o país, envolvendo cerca de 21 mil alunos de todas as idades, onde os temas mais abordados nas ações de formação foram a gestão do orçamento, a poupança e os canais digitais. Segundo o PORDATA, em 2021, existiam praticamente 2 milhões de alunos matriculados nos vários níveis de ensino, o que mostra que talvez 1% dos alunos tenha sido abrangido por estas iniciativas e isso mostra que ainda há muito caminho para fazer”, evidencia.
Como é que é expectável que a população ativa consiga navegar através da situação económica atual (francamente desafiante), se a literacia financeira não é introduzida desde logo na educação?
Para as empresas, isto traduz-se numa enorme pressão por parte dos seus funcionários, que por via da inflação financeira, exigem melhores condições de trabalho, nomeadamente em termos de remuneração.
Incluir a educação financeira nas políticas de compensação e remuneração é o caminho ideal para as empresas
Para responderem a esta pressão, muitas empresas repensaram as suas políticas de compensação e remuneração, no entanto, estas políticas não incluem, em muitos casos, o principal motor para que estas funcionem: educação em economia e finanças.
O facto de os líderes não colocarem em agenda o tema da literacia financeira deve-se, segundo Sérgio Rodrigues, ao facto de eles mesmos apresentarem algumas lacunas neste assunto. “Quando interajo com pessoas de áreas ou funções financeiras, existe claramente uma maior preparação, nem que seja teórica, para estes temas mas, muito regularmente, essas mesmas pessoas têm dificuldade na gestão das suas finanças pessoais, independentemente de serem muito competentes e conhecedoras das finanças empresariais”, confessa.
A MeuCapital, que realiza sessões de formação em empresas, identifica lacunas em três pontos fundamentais: sobre o funcionamento do IRS, gestão do orçamento familiar e investimentos. Assim, Sérgio Rodrigues aponta para a importância de fomentar a partilha de formação sobre estes temas com o objetivo de ajudar as pessoas a obterem uma maior liquidez financeira passiva e superar as dificuldades trazidas pela conjuntura atual.
Assim, mais do que simplesmente oferecer maior liquidez financeira às suas equipas por via de um aumento salarial, as empresas devem, mais do que nunca, aliar a remuneração à aposta na formação em literacia financeira, como forma de promover as competências financeiras dos seus colaboradores e permitir-lhes, assim, gerir melhor os seus ativos e conseguir fazer frente aos desafios nesta área.
“As empresas e as suas equipas devem estar cada vez mais atentas e cada vez mais interessadas em aprender”, recomenda o co-fundador da MeuCapital, que identifica, porém, que as organizações estão a começar a dar mais importância a este tema e a trazê-lo até aos seus funcionários. “O trabalho com as organizações, em geral, tem sido precisamente de levar estes temas até às suas comunidades, através de formações presenciais ou online, sempre de forma muito direta, simples e informal para que possamos, realmente, desmistificar muitos dos temas e descomplicar os tópicos”, refere.
“Todos nós somos impactados e temos de conviver com as finanças pessoais mais cedo ou mais tarde, e acredito que se todos falarmos mais sobre o tema, teremos um futuro melhor pela frente”, comenta Sérgio Rodrigues.