As infraestruturas do Sistema Científico e Tecnológico em Portugal já revelam robustez, assente em bases consolidadas. Ainda assim, dois estudos coordenados pela Agência Nacional de Inovação (ANI) apontam para a necessidade de uma maior valorização económica do conhecimento, que culmine em novas empresas, produtos e serviços inovadores.
Portugal está acima da média da União Europeia em número de publicações científicas em coautoria fora do espaço comunitário, no número de estudantes internacionais de doutoramento, no registo de marcas comunitárias, no emprego em empresas de elevado crescimento de setores inovadores, entre outros indicadores monitorizados no último European Innovation Scoreboard. Falta agora ao país transformar estes ativos em valor económico.
É o que revela o estudo «Análise da Atividade dos Gabinetes e Infraestruturas de Transferência de Conhecimento no Período 2017-18», que faz o mapeamento e levantamento de informação sobre indicadores de atividade destes atores fundamentais para a ligação entre a academia e as empresas. Esta conclusão baseia-se na auscultação de perto de 100 entidades nacionais.
O inquérito realizado aos Gabinetes e Infraestruturas de Transferência de Conhecimento (GITC) evidencia que a maturidade do sistema científico e tecnológico nacional em termos de valorização do conhecimento ainda tem uma grande margem de progresso e que são ainda poucas as instituições que o integram que apresentam boas dinâmicas na transferência e valorização do conhecimento e na incubação de ideias e negócios. Não obstante, existe já um número significativo de instituições de ensino superior, centros de investigação e unidades de investigação com os seus gabinetes de valorização do conhecimento (TTO), estando, portanto, reunidas as condições para essa progressão.
A criação de spin-offs académicas é, para já, um resultado pouco comum nos GITC auscultados, tendo apenas sido criadas três em 2017 e 2018. Por sua vez, há uma dinâmica muito mais intensa na criação de startups tecnológicas.
O estudo evidenciou também que, apesar do quadro de recursos humanos dos GITC ser altamente qualificado (taxa de doutorados é de 25%), são ainda poucos os colaboradores formados em gestão e finanças que dele fazem parte. Por outro lado, mais de 40% das pessoas não possui qualquer experiência empresarial, o que dificulta o diálogo e relação constante com o tecido empresarial.
Acresce que o modelo de financiamento destes TTO é ainda muito dependente dos apoios públicos (em torno dos 40%), uma vez que as receitas provenientes de propriedade intelectual ainda são reduzidas (apesar de terem sido registadas mais de 500 patentes em 2018).
Um quarto das spin-offs académicas introduziu inovações radicais
A análise realizada no segundo estudo às spin-offs e startups nacionais de base académica apresenta um mapeamento pioneiro. Estima-se que o número de empresas desta natureza seja 380, das quais 104 foram inquiridas no âmbito deste estudo. Dez destas spin-offs foram alvo de estudos de caso que aprofundaram a génese do negócio e todo o processo de criação e desenvolvimento da empresa.
A concentração no setor das TIC é mais significativa no grupo das startups tecnológicas (50% vs 33% nas spin-offs académicas), enquanto o peso das spin-offs académicas é superior nos setores da saúde e ciências da vida (10% vs 5% nas startups tecnológicas) e da biotecnologia (10% vs 2%).
A maior parte das empresas analisadas encontra-se nas fases de scale-up e de crescimento e consolidação, evidenciando uma forte capacidade de inovação. Um quarto das spin-offs académicas afirmou ter introduzido inovações radicais (além do estado da arte internacional) e 17% das startups tecnológicas também atingiu esse patamar.
O perfil do fundador destas empresas é o de pessoas altamente qualificadas, com uma idade média de 36 anos, mas nem sempre com forte experiência empresarial, especialmente no caso das spin-offs académicas. Apesar do maior nível de habilitações dos fundadores das spin-offs académicas (taxa de doutorados em torno dos 50%), os fundadores das startups tecnológicas acabam por equilibrar melhor a experiência académica com a experiência empresarial.
O principal fator motivador da criação destas empresas é a “identificação de uma oportunidade de mercado” (76%), seguido da “aplicação de competências pessoais dos empreendedores/fundadores” (57%), da “perspetiva de ganhos económicos futuros” (54%) e do “interesse em difundir a tecnologia e vê-la aplicada na prática” (50%).
A empresas inquiridas indicaram o financiamento do negócio como o principal handicap, tanto em termos da disponibilidade financeira dos empreendedores, como na obtenção de financiamento no mercado. A fonte de financiamento mais frequentemente utilizada pelas empresas é o capital próprio dos empreendedores (sobretudo nas startups tecnológicas), seguido pelos incentivos financeiros disponíveis à I&D e ao empreendedorismo (51%).
Boas práticas para o futuro
Algumas das dificuldades identificadas no primeiro estudo podem ser ultrapassadas através da criação de um mecanismo de financiamento de base para os GITC para a criação de equipas de interface “instituições de ensino superior – empresa” e atividades de transferência de conhecimento, dedicadas à avaliação do potencial económico dos resultados de I&D nos GITC, mas também da criação de uma rede nacional de GITC ou promoção de entidades colaborativas para aumentar a dimensão média e criar competências críticas para maiores dinâmicas de transferência e valorização de conhecimento.
Por outro lado, a criação de mecanismos públicos de dinamização dos GITC deve ser acompanhada de uma maior responsabilização e orientação para resultados, suportado num mecanismo de prestação de informação e contas obrigatório dos GITC nacionais em matéria de transferência e valorização do conhecimento, cujo controlo, análise e divulgação de resultados ficaria a cargo de um Observatório sobre a Realidade de Valorização e Utilização do Conhecimento no Sistema Científico e Tecnológico Nacional.
Finalmente, considera-se que o desenvolvimento do mercado de financiamento de risco é fundamental para fomentar a criação de spin-offs e startups e permitir o seu desenvolvimento e dar escala aos negócios pioneiros a nível internacional.
Os estudos estão disponíveis para consulta aqui.
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