Marco Serrão regressou a Portugal há cerca de um ano para liderar os RH da Galp, um desafio que aceitou por ter encontrado na organização uma verdadeira preocupação com as suas pessoas. O responsável conta à RHmagazine os planos que tem para a gestão de pessoas da gigante do setor energético.
Assumiu o cargo de diretor de Recursos Humanos da Galp há um ano. Esteve 14 fora de Portugal, em experiências profissionais diferentes. O que é que a Galp lhe propôs que o fez querer regressar a Portugal?
Não contava voltar a Portugal na altura em que regres sei, mas fiquei bastante entusiasmado com a proposta da Galp. Toda a sua ambição e estratégia em termos de transformação e transição energética levaram-me a querer fazer parte desse processo. Também sempre quis liderar uma equipa de RH como um todo. Estes fatores, todos juntos, acabaram por determinar a minha decisão de voltar ao país.
Concretamente, que desafio é este de transformar a Galp com as pessoas?
Tal como noutros setores e empresas, no setor da Galp a transformação é necessária e a transição energética é fundamental, também pelo impacto que tem a nível nacional e internacional. A nossa equipa tem um papel fundamental nessa transformação. A estratégia e o propósito da Galp, “Reenergize our People”, é um dos pilares estratégicos da Galp e guia a nossa missão.
Quando os recursos humanos têm um papel tão importante na transformação de uma organização, e isso é uma intenção declarada ao ponto de fazer parte da estratégia, qualquer profissional fica mais motivado. Agora, para nós, o grande desafio é corresponder a estas expetativas. A transformação ocorre a vários níveis: desde a liderança à própria organização do talento, e aquilo que estamos a fazer neste momento é criar as condições para que a Galp consiga concluir esta transformação.
Sendo a Galp uma empresa do setor da energia, mas muito associada a combustíveis fósseis como trabalham a vossa atratividade?
Desde que estou na Galp, há sensivelmente 10 meses, não senti ainda qualquer tipo de dificuldade neste âmbito na hora de recrutar novos talentos. Claro que, por vezes, existem pessoas que acabam por não querer abraçar o desafio quando são contactadas, mas quando olhamos para a nossa plataforma de atração de talento jovem, a “Generation Galp”, verificamos que os jovens continuam a ter muito interesse em nós.
Acredito que a geração Z, que começa agora a entrar no mercado de trabalho, será mais desafiante. Quando analisamos as suas motivações, verificamos que estes profissionais não estão tão interessados em fazer parte de empresas que possam ter um impacto negativo no planeta e, por isso, cabe-nos a nós encarar com seriedade a jornada de transformação.
Esta transformação não passa apenas pela decoração do escritório, é algo real, e a Galp tem investido na transição energética, seja através das energias renováveis ou da descarbonização dos nossos ativos. É esta jornada honesta que queremos partilhar com as pessoas. Nós sabemos que não estamos, ainda, onde queremos estar, mas temos uma estratégia e um caminho para percorrer.

A NOSSA EQUIPA TEM UM PAPEL FUNDAMENTAL NESSA TRANSFORMAÇÃO. A ESTRATÉGIA E O PROPÓSITO DA GALP, “REENERGIZE OUR PEOPLE”, É UM DOS PILARES DA NOSSA CONDUTA
Um dos vossos objetivos é tornarem-se na empresa mais human-centered do setor. Como pretendem fazê-lo?
Com várias intervenções e programas. Para a Galp, toda essa parte human-centered está relacionada com a forma como tratamos as nossas pessoas.
Um dos nossos pilares estratégicos é criar uma cultura onde as pessoas se sintam reconhecidas e que possam trazer o seu melhor para o trabalho dia após dia. Daí termos lançado os programas GROW (Great Recognition of Outstanding Work) e BALANCE.
Outro elemento muito importante é a liderança: temos investido nela através da criação de um assessment e iniciativas muito personalizadas. Estamos a criar uma jornada consistente de desenvolvimento de liderança a todos os níveis: desde pessoas que estão nessa posição pela primeira vez, que chegam eventualmente a funções de middle management, até ao top management.
Queremos ser muito claros sobre quais são os nossos valores de liderança, valores esses que estão relacionados com um exercício centrado nas pessoas. Pretendemos, por isso, desenvolver os nossos líderes durante a sua jornada na empresa, para obtermos uma consistência em todos os níveis de liderança dentro da organização.
Estes são alguns elementos-chave que nos podem ajudar na nossa jornada a tornarmo-nos a empresa mais voltada para as pessoas no setor da energia.
Como está, então, estruturado o vosso programa “Generation Galp”?
O programa “Generation Galp” já tem alguns anos e é uma das principais bandeiras do departamento de pessoas. Temos evoluído continuamente este programa e todos os anos recebemos entre 50 a 60 jovens trainees que têm a oportunidade de ganhar experiência em várias áreas de negócio, desenvolver o seu conhecimento sobre a organização e continuar a crescer.
Queremos criar outros mecanismos de atração de talento jovem, pois é algo muito importante para nós. Recentemente, assinámos um pacto nesse sentido, inclusive.
Trabalhar o talento está também no nosso radar. Acreditamos que este existe em diversos momentos da carreira e por isso queremos criar mais programas, tais como, por exemplo, o de gestão do talento, que neste momento não temos e que nos permitirá identificar as pessoas com potencial para crescer e desenvolver-se como líderes dentro da organização – e também a nível técnico.
As empresas não são apenas feitas de talento jovem. Nas camadas seniores também existe muito talento. Como acompanham estes profissionais?
A Galp está a trabalhar a nível de upskilling e reskilling. Esta área é também muito importante para nós, bem como um dos nossos pilares estratégicos de new ways of working. Acreditamos que as competências que temos atualmente dentro da organização não serão suficientes para o sucesso futuro e, como não queremos deixar ninguém para trás, queremos garantir que damos às pessoas oportunidade de desenvolverem novas competências, muitas delas relacionadas com a área dos renováveis ou do hidrogénio, que são áreas de investimento e desenvolvimento da organização. Consideramos que, enquanto empresa, temos a obrigação de garantir que as pessoas têm essa oportunidade e, nesse sentido, temos um programa para que elas possam adquirir novas competências e desenvolver-se.
Não é fácil as pessoas adaptarem-se a uma transformação desse nível, principalmente quando se é bem-sucedido naquilo que se faz. Por isso, é importante que a Galp motive os colaboradores e crie as condições necessárias para que continuem a desenvolver as suas competências.

Têm, certamente, profissionais especializados em matérias como os combustíveis fósseis e que agora terão de se reconverter às energias verdes…
Sim, estas pessoas terão de aprender novas competências. Estamos a analisar neste momento o que faz mais sentido para a organização, porque gostamos de abraçar projetos-piloto, ou seja, testar modelos e perceber se estes funcionam, para depois escalar.
TRABALHAR AS LIDERANÇAS ESTÁ TAMBÉM NO NOSSO RADAR: A AQUISIÇÃO DE TALENTO ACONTECE COM TALENTO JOVEM, MAS NÃO SÓ. QUEREMOS CRIAR MAIS PROGRAMAS, TAIS COMO O DE GESTÃO DO TALENTO
No âmbito das competências, como é que a Galp planeia o que irá necessitar daqui a cinco anos, por exemplo?
É um grande desafio. No nosso setor as novas competências estão muito relacionadas com a transição energética, e aquilo que a Galp está a fazer é auscultar os seus parceiros para perceber qual é a evolução natural das competências numa empresa em transformação e tentar, nessa lista, perceber quais serão as mais impactantes.
Este é um exercício muito importante, uma vez que depois de se identificarem as competências, é necessário criar jornadas de aprendizagem para as pessoas. Queremos ter a certeza que estamos a escolher bem e, por isso, iremos continuar a dedicar tempo a este exercício.
Para as competências soft, há alguma em que trabalhem mais?
Existem algumas em que trabalhamos mais e que, inclusive, não são únicas para a Galp. O storytelling é uma delas. Esta competência é muito importante. Tudo o que está relacionado com a comunicação é extremamente importante dentro de uma organização.
Trabalhamos com metodologias agile, e não só, e estamos muito focados na colaboração. É uma competência fundamental para a Galp.
Por vezes, existem silos dentro das organizações e as equipas não têm noção do que acontece nas outras áreas de negócio. Nós queremos contrariar isso e criar parcerias entre as equipas, pois acreditamos que o valor está nesta colaboração.
Tudo o que tem a ver com colaboração e melhoria contínua é muito importante para a Galp: estamos focados em lançar não um produto perfeito, mas algo que possa melhorar continuamente e proporcione às pessoas a melhor experiência.
Aceitar o erro e encarar a melhoria contínua é algo em que estamos a trabalhar dentro da organização.
Como flexibilizaram a forma de trabalhar?
Permitimos que as pessoas trabalhem até três dias a partir de casa o que, nas outras empresas que integrei fora de Portugal, não se verificava – no máximo o teletrabalho era de dois dias por semana.
Aceitamos que o facto de termos um escritório novo no final do ano motivará as pessoas a quererem estar presentes e conhecerem as novas instalações, mas o nosso objetivo é continuar a proporcionar esta flexibilidade.
Consideramos que a flexibilidade é importante para as pessoas encontrarem o equilíbrio entre a casa e o trabalho, mas também porque o nosso foco não é o tempo e sim os resultados que as pessoas entregam. Definimos objetivos claros para que cada um saiba o que deve alcançar e estamos a trabalhar no acompanhamento destes objetivos.
É um projeto que iniciamos no ano passado e que motiva os profissionais, por saberem onde devem chegar.
PERMITIMOS QUE AS PESSOAS TRABALHEM ATÉ TRÊS DIAS A PARTIR DE CASA O QUE, NAS OUTRAS EMPRESAS QUE INTEGREI FORA DE PORTUGAL, NÃO SE VERIFICAVA – NO MÁXIMO O TELETRABALHO ERA DE DOIS DIAS POR SEMANA
Para esta nova forma de trabalhar, a chave será o feedback contínuo. Na sua opinião, como vai evoluir a avaliação de desempenho?
No ano passado a Galp já evoluiu o seu processo de avaliação de desempenho. Simplificámos bastante a forma como realizávamos a avaliação de desempenho. O feedback contínuo é, de facto, a chave. É importante criar uma cultura em que as pessoas não tenham de esperar um ano para terem feedback. Há ferramentas que ajudam neste processo, mas mais do que a tecnologia, é a cultura que faz a diferença. Para nós é esta a grande evolução.
Como desejaria que estivesse a cultura da Galp num futuro a curto-médio prazo?
Estamos a falar de melhoria contínua. Na minha opinião, a perfeição não existe e, por isso, não temos uma meta. Temos, sim, uma jornada em que queremos ser sempre mais ambiciosos e melhorar constantemente. Isto é o mais importante para nós.
Queremos fazer da Galp uma grande empresa para trabalhar, onde as pessoas possam realizar o seu potencial. Sermos a melhor empresa para trabalhar é um dos nossos objetivos.
Para mim, é uma declaração de ambição, a nossa visão. No dia a dia queremos ser mais inclusivos, diversos, transparentes, colaborativos, e nunca perder a vontade de trabalhar continuamente a experiência das pessoas dentro da organização. Temos de continuar sempre a ter a vontade de melhorar a experiência das pessoas dentro da organização.
Acompanhe a entrevista em vídeo, realizada pela RHmagazine.
Entrevista publicada na edição n.º 145 da RHmagazine, referente aos meses de março/abril de 2023.