Autora: Filipa Almeida Santos, Diretora de Serviços Clínicos da Centralmed
Em fevereiro deste ano, cerca de 51% das organizações esperava que mais de 40% dos seus trabalhadores continuassem a trabalhar a partir de casa, durante os próximos 18 a 24 meses, de forma integral ou híbrida. Esta hipótese de se manterem soluções de teletrabalho sustentadas pelo uso de ferramentas tecnológicas, reforça a importância de se perceber e de se atuar sobre o stress ligado à tecnologia e o seu impacto na saúde e no bem-estar dos trabalhadores.
A utilização das tecnologias de informação e comunicação, foram essenciais na capacidade de execução do trabalho e na manutenção das relações durante os períodos de confinamento. No entanto, estas formas de trabalho têm o potencial de criar uma cultura organizacional “always on”, com fronteiras cada vez mais esbatidas entre a vida pessoal e a vida profissional, podendo agravar a vulnerabilidade dos trabalhadores face ao stress ocupacional.
O stress é acumulado por cinco tecnostressores: a tecnosobrecarga (situações em que os profissionais são forçados a trabalharem mais e mais rápido) , a tecnoinvasão (efeito evasivo na vida dos profissionais, pois podem estar ligados em qualquer altura e em qualquer lugar), a tecnocomplexidade (medo e insegurança dos profissionais nas suas tarefas, sentindo-se incapazes de lidar com as novas tecnologias), tecnoinsegurança (a complexidade poderá levar os profissionais a sentirem-se inseguros na execução das suas tarefas, temendo perder o seu posto de trabalho para alguém com mais qualidades tecnológicas) e, por último, a tecnoincerteza (as constantes mudanças no ambiente tecnológico da empresa).
O Observatório de Liderança e Bem-estar da Nova SBE publicou recentemente um relatório sobre o uso da tecnologia e bem-estar no contexto do trabalho, onde se concluiu que os níveis de tecnostress têm expressão na saúde e no bem-estar, estando a invasão e a sobrecarga associadas a queixas psicossomáticas e exaustão emocional, e ainda que a dependência das tecnologias exprime-se em comportamentos tais como o negligenciamento de atividades importantes, a incapacidade de descansar ou o empobrecimento da vida social.
O stress é acumulado por cinco tecnostressores: tecnosobrecarga, tecnoinvasão, tecnocomplexidade, tecnoinsegurança e tecnoincerteza
Nesse sentido, para além da definição dos modelos de trabalho a seguir a médio e a longo prazo, torna-se imprescindível que as organizações identifiquem, analisem e antecipem possíveis riscos, que vão, não só para questões de ordem organizacional, como a manutenção da cultura, engagement, coesão dos trabalhadores, colaboração, mas também para questões pessoais dos trabalhadores, nomeadamente as suas condições de trabalho, o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, as relações interpessoais e sociais quotidianas, os aspetos relacionados com o isolamento, a saúde e o bem-estar.
Esta análise deverá conduzir à criação de estruturas de apoio organizacional e à implementação de programas de saúde nas empresas, com a coadjuvação dos Serviços de Saúde Ocupacional, que analisando os riscos profissionais, nomeadamente os de carácter psicossocial, identificam medidas de prevenção e de proteção dos trabalhadores, integrando os diversos profissionais de SST/SO.
Torna-se imprescindível que as organizações identifiquem, analisem e antecipem possíveis riscos, que vão, não só para questões de ordem organizacional, mas também para questões pessoais dos trabalhadores
A avaliação por parte destes profissionais das condições de trabalho e das atividades desenvolvidas são indispensáveis, pois permitem identificar riscos de forma isolada, mas também outros que podem atuar concomitantemente. São disso exemplo os riscos físicos como a temperatura ou o ruído poderem influenciar a saúde mental do trabalhador, quadros de depressão associados a lesões músculo-esqueléticas e a dor crónica, entre outros.
As consultas de vigilância da saúde são um momento primordial, onde o médico do trabalho conjuga a informação das avaliações de risco realizadas com a informação obtida em consulta, quer a nível da história profissional, história social (incluindo hábitos e atividades de lazer), história familiar pregressa, antecedentes pessoais, situação atual de saúde (incluindo sintomas/queixas do trabalhador e a sua relação com trabalho), quer a nível do exame objetivo. Sabe-se que pessoas com perturbações mentais têm um risco duas a três vezes mais elevado de morrer prematuramente por doenças evitáveis, como infeções e distúrbios cardiovasculares, pelo que se torna imprescindível serem submetidas a uma avaliação física rigorosa, assim como a uma valorização do estado geral (ex: forma de andar e de vestir, discurso e expressão ou eventual dissociação entre a expressão e o discurso).
As ações e programas de promoção da saúde no local de trabalho são também de extrema importância, quer a nível individual, quer a nível do ambiente de trabalho. A nível individual poderão ser consideradas ações como prevenção e risco cardiovascular, meditação, posturas no local de trabalho, comportamentos de risco para o sono, entre outras; a nível da organização poderão considerar-se ações como promoção da saúde mental, fadiga e stress laboral, motivação de equipas, liderança e gestão de equipas.
A aposta na saúde mental nos locais de trabalho é uma mudança necessária. Um bem-estar percetível reforça a resiliência e a autoestima – ingredientes de uma participação bem-sucedida na vida profissional, social e nas relações.
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