O fim da exclusividade do regime presencial está a transformar o mundo laboral: espaço, tempo e vínculo conhecem modalidades diferentes. O digital reforçou a autonomia da força-trabalho e os formatos profissionais são agora mais dinâmicos.
Mais do que tendências para o futuro, as mudanças no mundo do trabalho estão já em curso e a bom ritmo. Se atingirem um número significativo de atividades, podem mesmo ser classificadas como uma transformação global do mundo laboral, uma vez que no seu âmbito têm carácter estrutural. Assentam na alteração de coordenadas-chave do trabalho: espaço, tempo e vínculo.
A pandemia e o trabalho remoto não podem, naturalmente, ser dissociados dos novos formatos no desempenho de profissões/funções, mas são mais o acelerador do que a génese. As suas caraterísticas distintivas – que no último ano e meio se tornaram mais percetíveis – são, de facto, pré-pandémicas, conforme constata o estudo do ManpowerGroup “Future of Work Series: Reimagining Workforce and Workplace Mechanisms – Where will work be done?”: “Antes de 2020, a rápida evolução tecnológica, as alterações demográficas na composição da força de trabalho e a evolução nas preferências do consumidor já estavam a redefinir o mundo do trabalho. A pandemia veio acelerar esta dinâmica. Nos últimos 18 meses, o trabalho remoto tornou-se predominante e cada vez mais digital, autónomo e flexível”.
Espaço
É, simultaneamente, o palco da principal mudança e, por isso mesmo, o propulsor das demais, com influência no tempo e vínculo. O regime presencial deixou de ser esmagadoramente único e as modalidades de trabalho híbrido e até 100% remoto naturalizaram-se, forçando novos tipos de organização profissional, nos quais o colaborador é mais autónomo e direcionado aos objetivos. Neste sentido, trabalhar a partir de casa (vários dias da semana ou sempre) ou num espaço de coworking (numa lógica coletiva ou individual) é, de entre os novos formatos, o mais frequente.
A mudança aparenta ser uma mais-valia do ponto de vista da conciliação entre a vida pessoal e profissional dos trabalhadores, além da óbvia vantagem financeira para as duas partes (diminuição dos custos da deslocação do empregado e de manutenção do empregador). Por esse motivo, no mercado de trabalho este já é um fator de procura por parte dos talentos (eliminação de ofertas que não contemplem, pelo menos, o regime híbrido) e, em consonância, de atratividade por parte das empresas (que acenam com o teletrabalho). Ainda segundo o estudo do ManpowerGroup, 46% das organizações questionadas revelaram que o trabalho remoto melhorou “drasticamente” ou “ligeiramente” a sua capacidade de atração. André Ribeiro Pires, COO da Multipessoal, confirma este novo formato e a sua instrumentalização na dinâmica da oferta-procura de trabalho, mas alerta para o logro que lhe pode estar imanente: “É um erro muito grave apresentar o trabalho remoto como um benefício. A cada momento, para cada função, deve ser avaliado se é a solução mais adequada. Devemos ter um modelo ágil, que não seja estático. A possibilidade de exercer funções remotamente deve ser apresentada como uma caraterística, não como um benefício.”
Os novos formatos privilegiam a conciliação entre a vida pessoal e profissional, a chamada “one life”
A flexibilidade e autonomia no espaço onde o trabalho é desenvolvido também permite libertar talentos de constrangimentos geográficos. Desempenhar funções em empresas que não estão sequer em Portugal é um formato em crescimento, o que representa uma forte concorrência às localizadas em território português. As organizações que mais estão a contratar em Portugal nestas circunstâncias são provenientes da Europa central, refere André Ribeiro Pires. O COO da Multipessoal aponta ainda as áreas – financeira e recursos humanos – e as funções – gestão e suporte técnico (em especial, técnicos de instalação) – com maiores índices no recrutamento à distância de milhares de quilómetros. O know-how tecnológico, tal como em todos os outros novos formatos, é o mais valorizado e procurado.
Tempo e vínculo
A possibilidade de trabalho não presencial potenciou outras alterações, interferindo em variáveis essenciais como o tempo e o vínculo. Com efeito, o formato freelance tem vindo a ganhar terreno, com muitos profissionais e empresas a optarem por este modelo. Os colaboradores conseguem negociar condições remuneratórias mais aliciantes pelas prestações de serviço (eventualmente, acumulá-las) e conjugar melhor as componentes pessoal e profissional, enquanto as empresas dispensam-se de encargos com a segurança social e conseguem uma maior agilidade na escolha (aquisição e dispensa) dos recursos humanos que consigo colaboram.
O formato freelance tem vindo a ganhar terreno, com muitos profissionais e empresas a optarem por este modelo
André Ribeiro Pires confirma este tendência “típica do pós-crise, que permite controlo de custos” e refere ser bastante frequente “em gerações mais novas, a entrar na vida profissional”. O COO da Multipessoal afirma ainda que o regime freelance é cada vez mais utilizado em “projetos com uma determinada duração, previamente delimitada e curta”, que a RHmagazine apurou variarem entre alguns meses e poucos anos (no máximo, dois).
Existem já plataformas dirigidas para este tipo de vínculo como a Upwork, Freelance e a portuguesa TalentSpot (lançada pelo ManpowerGroup) – dirigida para as áreas da tecnologia e saúde.
Artigo publicado na edição n.º 139 da RHmagazine, referente aos meses de março/abril de 2022.
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