O trabalho híbrido – um processo ainda em construção às mãos de cada empresa – tem um impacto díspar no grau de satisfação dos colaboradores.
Isso mesmo é evidenciado pelo “Redefinição da Normalidade em 2021”, estudo do The Adecco Group que parte daquele ano de referência e do reporte dado pelos 14.800 inquiridos de 25 países para fazer o retrato laboral do presente e traçar as perspetivas futuras. Quando é perguntado se quer passar a maior parte do tempo da semana profissional num espaço de trabalho remoto ou no escritório, o equilíbrio nas respostas é quase salomónico: 53% indica o primeiro espaço e 47% o segundo e mais convencional até ao eclodir da pandemia. Por outro lado, quando a questão colocada é a de estar mais ou menos feliz no seguimento das alterações à vida laboral dos 12 meses anteriores (trabalho remoto em tempo parcial ou total imposto pela pandemia), os resultados são outra vez bastante equilibrados mas a fatia minoritária (49%) está agora do lado dos que estão satisfeitos com o desempenho de funções não presencial.
Os problemas relacionados com a maior incidência do trabalho desempenhado à distância significam que este formato está ainda longe ainda de ter um desenho final e consensual, que se ajuste à multiplicidade de realidades (pessoal, familiar) que compõe a vida dos colaboradores. O estudo da Adecco aborda justamente um deles: o aumento da prevalência do esgotamento/burnout. Dos quase 15 mil colaboradores inquiridos, 38% afirmam ter “sofrido um O esgotamento nos últimos 12 meses” (mais as mulheres do que os homens). Entre os jovens líderes, esta realidade é ainda mais preocupante, pois a cifra sobe para os 54%. No documento, o grupo que se dedica à consultoria em recursos humanos alerta mesmo para o facto desta doença poder ser “a nova pandemia do mundo do trabalho”.
Teresa Espassandim, psicóloga e pós-graduada em Psiquiatria e Saúde Mental, refere à RHmagazine que diversos estudos pós-pandemia apontam para o facto da “prevalência de problemas de saúde psicológica devido ao trabalho, nomeadamente stress ocupacional, se ter agravado consideravelmente, constituindo um problema de saúde pública”. Esta especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Psicoterapia lembra que “em Portugal, já em 2020, estudos apontavam para que 1 em cada 4 trabalhadores teriam sintomas de burnout”.
Para Teresa Espassandim, este não é um fenómeno exclusivo do pós-pandemia – “já antes da pandemia, o Mental Health at Work Report (2017) reportava que três em cada cinco trabalhadores experienciam esses problemas” – nem deve ser estritamente correlacionado com o trabalho remoto – “o impacto do trabalho (presencial, remoto ou híbrido) na saúde e no bem-estar das pessoas trabalhadoras relaciona-se acima de tudo com as exigências do seu trabalho (mentais, emocionais, físicas, etc.) e com os recursos (autonomia, apoio, feedback, etc.) de que dispõem”. Para a psiquiatra, “semanas de trabalho longas, salários baixos, dificuldades na conciliação da vida profissional, familiar e pessoal estão entre os fatores mais gravosos” para o aparecimento do burnout.
Soluções para que o trabalho híbrido seja um aliado
A (boa) comunicação é, uma vez mais, um elemento-chave no universo laboral e empresarial, desta vez no sentido da implementação de um novo formato de trabalho. A ele faz referência Dália Petiz, Diretora Geral da Associação para o Progresso da Direção de Empresas (APD): “Este contexto, necessariamente, exige uma comunicação assertiva e uma definição clara dos processos organizacionais da empresa, assim como uma maior responsabilização do colaborador, a par com processos automatizados”.
Na análise de três gestores de outras tantas grandes empresas na América do Norte sobre o “o que fazem as grandes culturas híbridas de forma diferente”, publicada em março na Harvard Business Review, a comunicação é central em três dos cinco pilares que constituem o ponto de partida para a construção de uma cultura híbrida bem sucedida.
Em concreto, 1) na adoção da comunicação assíncrona, que deve substituir a síncrona sempre que esta não é viável; 2) no tornar claros os limite da comunicação, designadamente no estabelecimento de regras de compromisso por plataforma (prazo para responder a e-mails ou mensagens nos chats internos ou visualizar vídeos de reuniões), na definição explícita do horário de trabalho (para que o colaborador não veja a sua vida privada invadida pela profissional) e, neste, na predefinição – através de ferramentas digitais (que permitem a visualização dos colegas) – de quando o trabalhador está disponível para interações com a restante equipa ou, pelo contrário, está concentrado em tarefas individuais nas quais não deseja ser interrompido e, finalmente, no que designam 3) comunicação de radiodifusão, ou seja desenvolver uma cultura de mensagens escritas ou gravadas que diminua a dependência das conversas de um para um e presenciais.
Sobranceiro a estes pilares, está uma curiosa máxima preconizada por James Stanier, Michael Li e Jesse Anderson: “O trabalho híbrido só funciona quando todos os empregados são tratados como empregados remotos”.
Apesar de não poder ser dimensionada uma solução à medida de cada colaborador – principalmente, quando se trata de equipas numerosas que requerem coesão de procedimentos -, o cuidado com cada indivíduo, a inclusão na decisão sobre o híbrido e as variações que este pode assumir são apontados como fundamentais pelos máxiespecialistas contactados pela RHmagazine, bem como por vários estudos/artigos científicos.
É o caso daquele que teve a autoria de Lynda Gratton (“Como fazer bem o trabalho híbrido”), professora de Gestão na London Business School, e que foi publicado o ano passado na Harvard Business Review. A também investigadora defende que “para que esta transição seja bem sucedida, [as lideranças] terão de conceber disposições de trabalho híbrido tendo em mente as preocupações humanas individuais, e não apenas as institucionais”. Estas preocupações materializam-se em aspetos tão simples quanto sensíveis como os empregos e tarefas dos trabalhadores; as suas preferências; os projetos e fluxos de trabalho e a inclusão e equidade (por vezes inimiga dos modelos que vão de encontro às necessidades individuais ou de grupos numericamente menos expressivos).
A este propósito, Teresa Espassandim refere que “a maior desvantagem da seleção de qualquer modelo de prestação de trabalho surge do não envolvimento dos colaboradores na tomada de decisão sendo-lhes comunicado unilateralmente o regime (presencial/ híbrido/ remoto) a adoptar pela organização”, por isso “auscultar os trabalhadores, aferir as suas necessidades e preferências, avaliar a possibilidade de ajustar horários, equipas e procedimentos são boas-práticas de gestão focadas na eficiência e centradas nas pessoas”. O que se afigura ainda mais acertado quando, conforme refere Alexandra Andrade, Country Manager Adecco Portugal, a mais importante vantagem deste formato para os profissionais seja o “Work/Life balance, com um uma tónica muito positiva na saúde mental, que é um valor emergente para todos, em particular para as gerações mais jovens”.
As instalações físicas que correspondem ao “local de trabalho” do anterior formato laboral (presencial), por paradoxal que pareça, também são importantes. Os chamados “escritórios” devem ser atrativos, propiciar o contacto, a interação e a criatividade, conseguindo, desta forma, polarizar com o “habitat profissional” mais intimista que o colaborador agora dispõe na sua residência, o que implica um esforço das empresas na adaptação à nova realidade (ou mesmo na reinvenção) dos espaços de trabalho tal qual eram até ao início de 2020 (ver caixa).
Tudo para que as horas ou dias de trabalho presencial constituam também um estímulo social. Teresa Espassandim refere a importância de “assegurar momentos de contacto presencial entre todos e todas” e Dália Petiz (APD) explica que “é necessário sentirem-se [os colaboradores] parte de uma equipa, haver interações pessoais, desenvolverem relações com os colegas e potenciarem e promoverem estímulos profissionais e pessoais”.
Já Alexandra Andrade (Adecco) considera que a fatia do trabalho desempenhado presencialmente não deve ser motivada pelo conforto de uma supervisão/controlo mais fácil mas sim pelo reforço da identidade corporativa: “um dos fenómenos que emergiu dos confinamentos é que o ser humano funciona com contacto, e o facto de haver momentos presenciais facilita a entreajuda e o sentimento de pertença a uma comunidade. E as empresas são isso mesmo, comunidades de indivíduos que trabalham alinhados com os mesmo propósitos e fins, tentando respeitar a sua individualidade na inclusão”.