O Dia Internacional da Mulher é uma celebração não só do feminino, mas também das conquistas das mulheres, principalmente no que à luta contra o preconceito e ao protesto por direitos diz respeito. Neste dia, e tendo em conta o contexto em que vivemos atualmente, faz igualmente sentido abordar os desafios da mulher moderna. Com as novas medidas que se impuseram a propósito da pandemia, surgiu o teletrabalho e toda uma nova forma de trabalhar e de viver. Num mundo onde cada vez mais a vida pessoal se funde com a vida profissional, o que é ser mulher, mãe e teletrabalhadora?
Como têm as mulheres conciliado o teletrabalho com o cuidar dos filhos e de uma casa? Como gerem o tempo e garantem um equilíbrio entre vida profissional e pessoal? Para responder a estas questões, a RHmagazine falou com cinco profissionais mulheres, de setores diferentes e com vidas diferentes – mas com um grande desafio em comum.
Teletrabalho e filhos: uma luta pela atenção
Os conceitos de trabalho flexível e de teletrabalho não eram estranhos para Sandra Baía, assessora no Instituto Português do Sangue e da Transplantação. O trabalho remoto pontual era já um mecanismo de conciliação familiar implementado na empresa da profissional desde antes da pandemia. No entanto, muito mudou quando todo o agregado familiar passou a estar em casa. Para Sandra Baía, a mudança foi abrupta e uma fonte de confusão nos primeiros tempos, por «misturar os momentos pessoais com os profissionais, sem delimitação entre o tempo dedicado ao trabalho e à família».
Sandra Baía tem dois filhos com idades diferentes – um bebé e outro a frequentar o primeiro ciclo – e confessa que a sua principal dificuldade no primeiro confinamento foi estabelecer fronteiras que permitissem evitar a sensação de estar sempre “ligada”. Para ultrapassar esta dificuldade, Sandra Baía optou por fazer um mapa mental das necessidades de todos os membros da família, por forma a encontrar mecanismos de suporte adequados a cada um. «Assumi, desde o início, a necessidade de criar uma rede de partilha para não descurarmos as necessidades de cada criança e do casal, sendo que os cuidados com o bebé passaram a ser assegurados pelo meu marido e pela minha mãe, durante o dia, e eu assumi o acompanhamento do ensino à distância e os cuidados da criança mais velha», conta-nos a profissional. Seguir esta estratégia não foi difícil, por já existir na família o hábito da partilha de tarefas.
Para que em casa se mantenha um ambiente minimamente saudável e positivo, é necessária uma «organização, enquanto casal, da gestão de horários de trabalho e de acompanhamento dos filhos». Beatriz Soeiro é professora do primeiro ciclo do ensino básico e coordenadora do primeiro ciclo no colégio Park International School da Praça de Espanha, mas também mãe de três crianças. A profissional confessa que, apesar do planeamento feito no início da semana, nem sempre é fácil fazer a gestão necessária. «Existem momentos em que tanto eu como o meu marido temos reuniões ou situações em que temos mesmo de estar a trabalhar em simultâneo. Com toda a simplicidade, temos de aceitar que são momentos em que vamos ter de trabalhar com um filho ao colo ou com um filho sentado ao nosso lado a brincar», sublinha. Esta situação, tão comum nas casas de hoje em dia, traz a sensação de que uma só mulher passa a ser duas: a mãe e a trabalhadora. Muitas vezes, Beatriz Soeiro acaba por trabalhar mais horas à noite, com as crianças já deitadas, tentando dar resposta ao trabalho que ficou pendente ou até antecipando o trabalho do dia seguinte.
«O sentimento de culpa apodera-se muitas vezes de nós por sentirmos que não estamos a fazer o acompanhamento necessário e desejável para crianças desta faixa etária. Contudo, sabemos que estamos a tentar dar o nosso melhor e, de alguma forma, a tentar chegar a tudo», revela a profissional.
Instaurar o mútuo respeito e delegar responsabilidades a todos os membros da família é igualmente essencial, para que nem o trabalho nem a família saiam prejudicados nesta busca por um equilíbrio. Rute Ferreira é agente de call center na Teleperformance e garante que sempre instruiu os seus três filhos a respeitarem o seu tempo de trabalho. No princípio, confessa que não foi fácil; mas, com o tempo, Rute Ferreira foi estruturando regras e implementando-as, fazendo os ajustes necessários a cada dia. Os resultados têm-se mostrado positivos: «Os meus filhos sabem os meus horários, e dentro do horário laboral respeitam o meu espaço e nunca incomodam, só caso seja algo mesmo muito urgente». Este respeito torna-se recíproco, e Rute Ferreira, aquando da sua hora de saída, cumpre com o seu lado do acordo e direciona a sua atenção exclusivamente para os seus filhos.
A comunicação tornou-se, em casa desta família, uma poderosa ferramenta. «Se houver algum dia em que precise de fazer horas extras, comunico e peço esse tempo; assim como, se precisar de um tempo para mim, nem que seja dez minutos, peço e eles respeitam», relata a profissional. Para Rute Ferreira, a conjugação da vida familiar com a vida profissional não é um desafio – o teletrabalho permitiu-lhe estar ainda mais presente e atenta às necessidades dos seus filhos.
Nesta disputa por atenção, a dificuldade está em manter um empate. Para Maria Silva (nome fictício), comercial de farmácia, trabalhar a partir de casa com filhos, sejam eles adultos ou crianças pequenas, é um desafio. Mãe de uma recém adulta e de uma criança com três anos, Maria Silva admite que, entre dar-lhes atenção e conjugar as atividades da escola, horas de refeição, sestas, entre outros, «tudo ganha outra dimensão fechados em casa». «O trabalho não pode ficar para segundo plano», confessa. «Conseguir manter as crianças entretidas durante as reuniões, para que os gritos de alegria ou de birras não façam parte das mesmas; gerir os horários para que nem a família nem o trabalho fiquem prejudicados; e manter a boa disposição ao longo do dia» são alguns dos desafios apontados pela profissional.
A verdade é que, para a maioria das mulheres, conciliar o teletrabalho com crianças é extremamente difícil. Sandra Pinheiro, diretora da Didaskalia e responsável pela conceção e gestão de projetos, é mãe de duas crianças pequenas. Embora a mais velha já esteja mais autónoma do que no último confinamento, a mais pequena precisa ainda de muita atenção. «A mais velha tem aulas com a professora no quarto dela, e eu trabalho com a ajuda da mais pequena na sala. A concentração é muito difícil, porque as interrupções são constantes – ou porque cai um lápis ao chão, ou porque quer água, quer comer, quer brincar, quer ir à casa de banho… dificilmente tenho dez minutos seguidos sem ser interrompida, exceto quando ela está a ver televisão», adianta.
E como estabelecer um equilíbrio entre ser mãe e ser trabalhadora? Sandra Pinheiro opta por planear as atividades de forma a que, nos dias em que está com as crianças, tenha tarefas que requeiram menor concentração. «Eu e o meu marido trabalhamos juntos e organizamo-nos no sentido de nos alternarmos em teletrabalho. De dois em dois dias, ou de acordo com a agenda de reuniões ou trabalho mais exigente, decidimos quem vai para o escritório e quem fica em casa. Isso facilita bastante», confessa. As tarefas mais exigentes a nível de concentração e as reuniões com os clientes, por exemplo, são tarefas que ficam reservadas para os dias de escritório. Nesses dias, Sandra Pinheiro começa o trabalho mais cedo e fica no escritório até à hora de jantar, para aproveitar o tempo ao máximo.
Como gerir o tempo?
Ter filhos, estar em teletrabalho e cuidar de uma casa não é tarefa fácil e exige uma grande organização e gestão de tempo. Segundo Sandra Baía, o problema surge em transformar a casa também em escritório, ginásio, refeitório e escola. Esse aspeto é, de acordo com a profissional, uma «fonte de ansiedade adicional» que afeta as teletrabalhadoras diariamente. Com a família em casa durante 24 horas, as tarefas domésticas aumentam e têm de ser conciliadas com o teletrabalho, o cuidar de filhos e o apoio escolar.
«Com tantas dinâmicas a serem asseguradas entre paredes, a pandemia tornou os dias de trabalho menos definidos, em que temos de dar resposta a todas estas necessidades, conciliar todas as tarefas profissionais com a vida doméstica e pessoal ao mesmo tempo», adianta.
Em resposta a estes desafios, Sandra Baía optou por delegar tarefas domésticas e recorrer a serviços de take-away e lavandaria. Foi assumido, desde logo, que os gastos que outrora eram feitos em deslocações ou refeições serviriam para aliviar algumas tarefas domésticas. Desta forma, Sandra Baía consegue focar-se no essencial, passar mais tempo de qualidade com os filhos e marido e ter até um maior poder de concentração. Foi assim que conseguiu traçar a fronteira entre a vida profissional e a vida pessoal.
Soluções similares foram adotadas por Beatriz Soeiro. Durante o fim de semana, aproveita para cuidar da casa, planear as refeições da semana e fazer as compras necessárias, e durante a semana assegura refeições e outras tarefas domésticas menores. No entanto, quando o tempo é apertado e a aflição toma conta, Beatriz Soeiro opta também por serviços de take-away.
Tendo sempre instruído os seus filhos a cuidar também da casa, Rute Ferreira confessa que a gestão das tarefas com o teletrabalho é feita com «alguma minúcia e firmeza». Sendo a única figura parental na família, cultivou desde cedo a independência dos filhos em realizar certas tarefas domésticas: cada um faz a sua cama, cada um levanta e lava a sua loiça, cada um faz a sua parte e contribui. Outras tarefas mais complicadas são escaladas.
«Como adolescentes que são, muitas vezes reclamam, insurgem-se, comunicam o seu desagrado. Ouço atentamente a opinião de cada um, faço alguns ajustes, mas nunca lhes retiro a responsabilidade de ajudar e participar nas tarefas domésticas», revela.
O domingo é o dia de descanso, em que cada membro da família tem a sua liberdade, o seu tempo e o seu espaço. «Cada um acorda quando quer, come quando quer, todos têm o seu tempo e espaço. Existem regras, mas no fim de semana são aplicadas as exceções.»
Para Maria Silva, conciliar o teletrabalho com as crianças e a casa é tarefa árdua. «Requer uma capacidade de organização, disciplina, resiliência e superação», afirma. Maria Silva acredita que, tanto para ela como para outras mulheres na mesma situação, não há a hipótese de «deitar a toalha ao chão». «As crianças não pediram para vir ao mundo, perder o trabalho não pode acontecer e há mínimos obrigatórios no que se refere à casa», sublinha. «Sinto que os timings não são perfeitos e, por norma, há sempre pendentes. A casa é a mais castigada com as tarefas acumuladas.» Maria Silva acaba por ter de trabalhar mais horas e em horários que não são os mais desejados – só assim consegue ter tudo concluído. Muitas vezes acorda mais cedo que o habitual, para adiantar trabalho enquanto as filhas dormem.
Na casa de Sandra Pinheiro, as tarefas são igualmente divididas e partilhadas. «As tarefas domésticas são partilhadas por mim e pelo meu marido. A maior parte das tarefas não estão atribuídas a um ou a outro, mas os dois assumimos a responsabilidade de as fazer, quando vemos que precisam de ser feitas», afirma.
Sandra Pinheiro não sente que, sendo mulher, tenha mais responsabilidades com a casa ou com as crianças. Normalmente, é quem fica em casa que lida com a sobrecarga das tarefas do dia.
Para a profissional, a tarefa mais trabalhosa é talvez a preparação das refeições. «Normalmente cozinhamos à noite, de forma a que no dia seguinte tenhamos o almoço já preparado e não seja necessário perder tempo com essa tarefa. Quem cozinha fica dispensado de arrumar a cozinha.»
É assim que é feita a gestão das múltiplas tarefas nesta casa onde o teletrabalho também dita as rotinas. Sandra Pinheiro confessa que passou a ser mais exigente com as crianças, nomeadamente com a arrumação dos brinquedos, das roupas e dos livros. Para as tarefas de limpeza da casa, a profissional conta a ajuda de uma pessoa: «Nos dias em que está presente, há alguma ginástica na gestão dos espaços, e temos de ir mudando de espaço de trabalho e de escola, dependendo da área da casa que está a ser intervencionada.»
Equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal
«O teletrabalho favorece a desregulação dos horários normais até porque as múltiplas solicitações e papéis a desempenhar durante o dia estão a impactar negativamente as horas dedicadas ao lazer e descanso.» Sandra Baía confessa que já foram várias as ocasiões em que aproveitou a noite para compensar o trabalho que não conseguiu terminar durante o dia, por não se conseguir concentrar ou por não ter o silêncio necessário. Consequentemente, os tempos que seriam dedicados às relações interpessoais ou autocuidado tornam-se escassos. Numa tentativa de equilibrar a vida pessoal com a familiar e profissional, Sandra Baía opta por organizar o seu dia a dia em fases e por ter um espaço físico definido para cada atividade. No final do dia, ainda consegue fazer videochamadas com os amigos, algo que considera essencial para o seu bem-estar.
Beatriz Soeiro sente que este equilíbrio entre casa, trabalho, filhos e relações pessoais é «muito difícil, mas possível». Para a profissional, é impreterível que haja um esforço pelo equilíbrio, sob pena de «roturas estruturantes», com grande impacto no bem-estar familiar. É necessário que haja espaço e respeito para que cada um, a cada dia, consiga realizar-se e estar bem. «Há dias que correm melhor, outros nem por isso…», confessa. Mas o truque está em manter a força, a energia e o positivismo:
«Somos supermulheres sem capa! Não vamos conseguir fazer tudo bem, mas o que fazemos vai salvando o “nosso mundo”, a nossa casa, a nossa família.»
Este equilíbrio não é efetivamente fácil, mas também não pode ser transformado num «bicho papão». Para Rute Ferreira, é um equilíbrio possível, que deve ser estabelecido com «muito amor, paz, comunicação e respeito mútuo». Estes vários papéis que tem de interpretar não têm afetado o seu profissionalismo – quando se encontra em trabalho, dá o que tem para dar, e quando termina o dia foca-se em si e nos filhos. É esta a divisão que deve ser feita todos os dias. «O meu trabalho permite sempre alguma flexibilidade no caso de precisar de dar assistência aos meus filhos. Sempre exerceram uma grande compreensão, e sempre que precisei nunca levantaram objeções. Acordamos sempre num plano que não prejudique ambas as partes», revela a profissional.
«Ser mãe é ser médica, psicóloga, enfermeira, cozinheira, mulher a dias, mas acima de tudo é ser mulher e isso tem de prevalecer», acrescenta.
Já Sandra Pinheiro reconhece que esse equilíbrio é mais difícil de atingir quando todos os membros da família estão sempre no mesmo espaço. «Se na relação com os filhos é positivo passarmos mais tempo com eles, torna-se negativo estarmos mais impacientes e, portanto, o tempo é mais, mas não é necessariamente de maior qualidade», afirma. Pelo mesmo motivo, a própria relação conjugal pode sair afetada, mas, curiosamente, no caso de Sandra Pinheiro, acontece o contrário do habitual. «Eu e o meu marido estamos habituados a trabalhar juntos no estúdio, e desde que o confinamento começou, por causa da nossa organização, só nos vemos à noite. Não acontece o que tem acontecido com muitos casais em teletrabalho, que é o casal ficar fechado em casa dia e noite. Notamos que quem fica em casa com as meninas está mais cansado. E por isso é importante que, depois de os filhos irem para a cama, o casal encontre um tempo por dia, por pouco que seja, para namorar», aconselha a profissional.
Sandra Pinheiro sente que o seu trabalho tem sido de certa forma prejudicado, sobretudo devido à dificuldade de concentração. Além de demorar mais tempo a cumprir as tarefas e de sofrer mais com a procrastinação, o próprio confinamento afeta a sua criatividade e o contacto com a equipa de trabalho. «No nosso caso, que trabalhamos com métodos artísticos, como o teatro, o contacto humano é fundamental, tal como a espontaneidade e o contributo, no momento, dos vários colegas. Em reuniões virtuais isso não acontece da mesma forma», admite.
Como sobreviver ao teletrabalho com crianças?
Se é mãe e teletrabalhadora, certamente que já deu por si a levar as mãos à cabeça, tal é a confusão que se pode instaurar em casa. Com a ajuda destas cinco mulheres – Sandra Baía, Beatriz Soeiro, Rute Ferreira, Maria Silva e Sandra Pinheiro – deixamos-lhe alguns conselhos e dicas sobre como sobreviver ao teletrabalho com crianças.
- Aproveitar a pandemia para otimizar a gestão do “work-life balance”, transformando a ameaça em oportunidade, e valorizando a responsabilidade individual dos membros da família, incluindo das crianças;
- Encontrar estratégias que disciplinem: definição de horários para trabalhar, para lazer e para descansar, e encontrar fronteiras que diferenciem o tempo de cada atividade (exemplo: terminar o dia de trabalho com alguma atividade física e começar com um banho e vestir algo menos confortável);
- Estabelecer uma rotina que combata o sedentarismo;
- Ter um espaço próprio e organizado para cada atividade, de modo a separar as obrigações profissionais das familiares e de lazer;
- Partilhar as responsabilidades, os timings, a gestão do trabalho e o acompanhamento dos filhos com o parceiro;
- Guardar, todos os dias, um tempo para autocuidado;
- Manter uma boa base de comunicação e ser constante nas decisões;
- Não ter medo de procurar ajuda se for necessário (exemplo: terapia);
- Usar o tempo livre para praticar alguma atividade de relaxamento (exemplo: ioga, caminhadas), ou para fazer uma videochamada com amigos;
- Acordar cedo para tratar das tarefas que exigem mais concentração, uma vez que à noite o cansaço já é demasiado;
- Aproveitar os momentos em família e brincar com as crianças;
- Tentar relativizar as questões domésticas e não alimentar conflitos por coisas de menor importância;
- Respeitar o parceiro e as suas formas de trabalho – não fique sobrecarregada com tarefas domésticas por querer que sejam feitas de acordo com o seu próprio método e no seu tempo.
Feliz Dia da Mulher.
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