Depois dos vários períodos de teletrabalho forçado pela pandemia – com a mais recente obrigatoriedade estendida até 14 de janeiro – , o regresso à normalidade possível deverá ser marcado pela generalização de modelos híbridos de trabalho. No meio estará a virtude que maximiza o bem-estar de pessoas e organizações.
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ma pandemia, dois confinamentos, mais de dezoito meses de trabalho a partir de casa. À primeira vista, este é um cenário pouco encorajador para quem investe em imobiliário, em particular, no segmento de escritórios. No entanto, não é isso que indicam as previsões para 2022: “2022 deverá ser marcado pelo regresso dos mercados imobiliários aos níveis registados antes da pandemia, quer em termos de arrendamento, quer de investimento. Esta é uma previsão que se estende a todos os mercados do mundo”, antecipa a consultora Savills no relatório Impacts 2021. Mais do que isso, serão os escritórios a atrair o maior volume de investimento. “Em Lisboa, estima-se que seja capaz de captar 35% do total de investimentos no mercado imobiliário português, colocando a capital ao nível de cidades como Madrid e Milão”. Para estes resultados, deverão contribuir as especificidades do mercado português, alimentadas por um muito antecipado regresso aos locais de trabalho. No entanto, apontam os especialistas, nada será como dantes e é fundamental ter em vista a nova realidade.
Antever o futuro
“Os líderes da área de imobiliário corporativo deverão, sistematicamente, considerar modelos transformacionais e facilitar estratégias multifuncionais para fomentar resultados de negócio de sucesso”, sublinha Duarte Cardoso Ferreira, diretor de consultoria estratégica da CBRE, no relatório Real Estate Strategy Reset, que dá conta das tendências que, considera a consultora, irão definir o futuro do trabalho (ver caixa).
Como pano de fundo, um conjunto de novas dinâmicas que atingem padrões migratórios, infraestruturas de comunicação, standards de design e tecnologia, exigindo agilidade em contexto de incerteza. Enfim, o ‘novo normal’ inaugurado pela pandemia, que deverá permanecer nos próximos anos, alavancando a emergência de modelos de trabalho repartidos entre o escritório e a residência. “O teletrabalho do futuro não vai ser adotado da forma massiva como foi até hoje”, acredita André Almada, responsável da área de escritórios da CBRE. Haverá, antes, um modelo híbrido, com os colaboradores a escolherem um ou dois dias para trabalharem remotamente.
Lições da pandemia
“O trabalho no local de trabalho não pode desaparecer completamente”, advoga o estudo Blending the physical and virtual: a hybrid model for the future, do Instituto Bruegel, que recomenda a adoção de um enquadramento que facilite o trabalho híbrido por parte da União Europeia. “Há tarefas que têm de ser executadas no local de trabalho, dados os constrangimentos tecnológicos atuais. Mas, mais importante, enquanto os trabalhadores expressam um claro desejo por teletrabalho duas ou três vezes por semana, para muitos o teletrabalho permanente, embora praticável, não é preferível”, justifica o documento.
Níveis de teletrabalho entre os existentes antes e durante a pandemia são, segundo o think-tank europeu especializado em economia, ótimos para empregadores e empregados. O equilíbrio será encontrado no seio de cada organização, convergindo em modelos híbridos, o que “depende crucialmente da capacidade de ultrapassar fricções organizacionais internas”, alerta a instituição. “Sem uma mudança na organização do trabalho, é provável que as lições aprendidas na pandemia esmoreçam e, a longo prazo, poderão prevalecer os níveis subótimos de teletrabalho anteriores à pandemia”, alerta-se.
35% Proporção de investimento imobiliário no segmento de escritórios em Lisboa, 2022 (Savills)
O que (não) mudou em 2020
O investimento em imobiliário comercial em Portugal caiu 17% em 2020, mas a queda foi para um valor absoluto que representa o terceiro melhor registo de sempre no mercado (€2,7 mil milhões transacionados). Os dados, apresentados por Fernando Ferreira, head of capital markets na consultora imobiliária JLL, num artigo do Jornal de Negócios, revelam resultados considerados muito positivos, que sustentam expectativas otimistas de futuro.
Como explicar estes resultados numa conjuntura tão adversa? A maturidade do mercado imobiliário, de baixo risco, e os “retornos mais favoráveis face a outras cidades ou países europeus” são apontados pelo especialista, mas a explicação vai mais longe: “As características distintivas e intangíveis do nosso país permanecem incólumes, tais como segurança, qualidade de vida, dias de sol, custo de vida”, refere, sustentando que, após a pandemia, “Portugal pode rapidamente voltar a estar na primeira linha” de investimento.
Também no caso dos escritórios são identificados fatores atenuadores da crise e facilitadores da recuperação: a rapidez de adaptação entre oferta e procura, fruto de um ritmo lento de lançamento de nova oferta nos últimos anos; rendas praticadas mais competitivas face a outros mercados europeus; e a crescente atração de empresas e talentos internacionais.
Encontrar soluções
A recuperação depende, no entanto, da criação de soluções adequadas à nova realidade. No caso dos escritórios, será imperativo o redesenho e conversão de algumas áreas tradicionais em “espaços que estimulem o trabalho de equipa, a criatividade, a socialização e a cultura corporativa”, lê-se no CBRE Portugal Real Estate Outlook 2021. Esta tendência para a emergência de produtos e conceitos híbridos chegará a vários segmentos imobiliários, com a necessidade de “socializar no trabalho, trabalhar em casa ou opções de estadias mais prolongadas em hotéis”, enumera a consultora.
A crescente preocupação com a saúde, bem-estar e sustentabilidade também impactará fortemente a conceção e design dos produtos, assim como a digitalização e o uso de tecnologia: “Novas aplicações para melhorar a gestão de stocks e encomendas; uso generalizado de aplicações, por exemplo nos escritórios para reservar secretárias ou salas de conferências; mais equipamentos contactless (portas, elevadores, luzes, torneiras)”, especifica o documento.
Coworking: renascimento e mutação
Além dos escritórios tradicionais, também os espaços de coworking viram-se forçados a parar durante os confinamentos. Agora, o momento é de retoma com as devidas adaptações e a expectativa é de crescimento a médio prazo: espera-se que, em 2022, trabalhem neste regime 5,1 milhões de pessoas a nível mundial, em contraste com 1,7 milhões em 2017, aponta um estudo de 2020 da consultora imobiliária B.Prime, com base em dados da Global Coworking Unconference Conference e do Emergent Research.
“Este regresso à base do que é coworking terá agora, também mais do que nunca, de conviver com a chegada em peso de empresas que, até agora, passaram ao lado do movimento de coworking, das possibilidades do trabalho remoto, do fenómeno social que é o nomadismo digital e profissional e, no fundo, das novas formas de organização dos espaços de trabalho”, declarava ao Expresso, em junho, Fernando de Pina Mendes, pioneiro do coworking em Portugal – fundador do Cowork Lisboa e no NOW Beato.
O que está em causa é uma tendência que a B.Prime designa como “corpoworking”, abreviando “corporate coworking”: “Inicialmente havia uma ideia preconcebida de que esta solução era adequada apenas para startups e freelancers, mas devido à expansão deste segmento de negócio, podemos concluir que se está a consolidar em todos os mercados”, explicou Jorge Bota, diretor-geral da consultora, à Visão.
5,1 milhões número de pessoas a trabalhar em regime de cowork a nível mundial, em 2022 (B. Prime)
Empresas, retalho e autarquias
A ocupação dos espaços de coworking por clientes corporativos corresponde a uma expansão dos serviced offices — escritórios equipados e administrados por provedores externos. O controlo de custos e a flexibilidade são as principais vantagens para as empresas clientes, a par das possibilidades de interação e troca de conhecimentos, associadas aos espaços de coworking tradicionais.
Além da procura, assiste-se a uma diversificação da oferta, com a presença do coworking em contexto de retalho a emergir como tendência a médio prazo, aponta a consultora. Exemplo disso são as open houses, que combinam “coworking, coffeehouse, áreas de startups e de retalho, que proporcionam uma oferta alargada”, detalha o relatório. É o caso, em Lisboa, do espaço Santander, nas Amoreiras, e do espaço Auchan, na Avenida da República. Também os centros comerciais estão a apostar em áreas de coworking, na tentativa de esbater quebras de consumo prolongando a permanência dos visitantes.
Mais focada no interior do país, assiste-se ainda a uma aposta das autarquias neste tipo de equipamentos: foram recentemente criados programas estatais financiados por fundos europeus, através do FEDER, num investimento de mais de 20 milhões de euros.
8 tendências para o futuro do trabalho
Talento
- Novas formas de relação com o espaço geradas pela crescente flexibilidade, autonomia e liberdade de escolha na gestão de equipas
- Necessidade de adequar o espaço de trabalho a modelos híbridos e dispersão de equipas
Localização
- Estratégias de descentralização dos escritórios para apoiar e atrair colaboradores
- Migração para locais mais baratos e com melhor qualidade
Ocupação
- Capacidade de planeamento como fator diferenciador de empresas no contexto imobiliário
- Soluções de flexibilidade como chave para adaptar a utilização do espaço
Design & Experiência
- Assegurar bem-estar, produtividade e compromisso de colaboradores dispersos como funções do espaço de trabalho
- Edifícios mais inteligentes e eficientes, que melhoram a experiência do colaborador, ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis
Artigo publicado na edição n.º 136 da RHmagazine, referente aos meses de setembro/outubro de 2021.