Autor: Rui Ramiro
Professor de Português para Estrangeiros e Inglês, igualmente certificado em Gestão de Recursos Humanos e “Professional Coaching”. Carreira profissional desenvolvida em Portugal e em mercados como Angola, China, Reino Unido e Estados Unidos, em setores como Minas, Construção Civil e Futebol Profissional, tanto na área do Ensino de Idiomas como em Formação de Liderança e Desenvolvimento de Equipas.
N
um mundo globalizado como aquele em que vivemos, a competição por talento de elevada qualidade é uma das maiores preocupações das organizações. Em 2019, um inquérito promovido pela Hays apontava que 78% dos profissionais pretendia mudar de emprego nos 12 meses seguintes (mesmo com a pandemia, a percentagem manteve-se muito significativa). O custo médio do “turnover” pode atingir 200% do salário-base de um colaborador, de acordo com o “Great Place to Work Institute”. Assim, assume-se como essencial para uma organização identificar os fatores que contribuem para a atração e retenção dos melhores talentos.
A “Randstad Employer Brand Research 2019” analisou a perceção de mais de 200 mil inquiridos de 32 países sobre a atratividade das organizações e salienta o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal como um destes fatores, especialmente para a maioria dos “millennials” (55%). Para os “boomers” (55-64), é o ambiente de trabalho que aparece como o critério mais importante quando se refere à seleção de oportunidades profissionais (49%). Já a geração Z (18-24 anos), privilegia sobretudo a possibilidade de progressão de carreira (51%). No global, cerca de 55% das respostas indica também a questão salarial como fator de atratividade das organizações.
Por outro lado, um recente estudo promovido em 2020 pela Universidade Católica e a LEYA – Escola Amiga da Criança, com respostas recolhidas junto de mais de 20 mil encarregados de educação, atribui aos professores um grau de confiança de 4,5, numa escala de 1 a 5, no que à condução do processo de ensino-aprendizagem diz respeito.
Por conseguinte, é inegável não só a forte visibilidade do professor em termos sociais como também a confiança que os diferentes intervenientes no processo educativo depositam na sua figura. Por outro lado, sendo o professor uma peça fundamental para o desenvolvimento social e económico das sociedades, será fundamental atrair, desenvolver e reter os melhores talentos para o exercício desta função.
Importa então olhar para os dados inerentes à classe profissional dos professores, relativos ao ano letivo 2019/2020, tendo em vista compreender com mais rigor como é essencial e urgente atrair, desenvolver e reter os melhores talentos disponíveis para o exercício da docência.
Em Portugal, no ano letivo 2019/2020, encontravam-se em exercício de funções 136.591 professores. Os grupos disciplinares mais representativos eram os de Português, Matemática, Educação Física, Inglês e Biologia/Geologia, superando os cinco mil docentes cada um, em exercício de funções.
No que ao ensino público diz respeito, 22.271 docentes encontravam-se em regime de contrato a termo certo, correspondendo a cerca de 19% do total de docentes em exercício de funções neste ramo do ensino. A idade média dos docentes era de 48 anos.
Outro dado a salientar diz respeito à carga letiva dos docentes. Assim, 45% lecionava 20 ou mais horas e apenas 10,2% lecionava menos de 13 horas letivas. 4.678 docentes (3,3% do total) exercia funções não letivas.
Importa então concluir que estamos perante um conjunto de profissionais visivelmente sobrecarregados, com um volume de trabalho altamente significativo a incidir sobre uma percentagem elevada de professores.
Será igualmente relevante compreender que em determinadas regiões e grupos disciplinares gerou-se já um problema de défice de recursos humanos, algo que nos próximos cinco/dez anos tornar-se-á ainda mais evidente, face à idade média dos docentes em exercício de funções. Se a isto acrescermos que quase 20% de docentes não possuem vínculo contratual permanente, será importante delinear para o setor da Educação uma verdadeira estratégia de identificação e retenção de talentos. Apenas 1.971 docentes, correspondentes a 1,4% dos que exerciam funções à data, tinha 30 ou menos anos de idade.
Também no ano letivo de 2019/2020, as ofertas educativas do Ensino Superior relacionadas com a Educação e Formação viram cobertas pouco mais de 50% das suas vagas, algo que claramente evidencia a baixa atratividade desta opção profissional. Se reportarmos ao Ensino Secundário, a taxa de escolarização foi de 83,8% e a retenção e desistência foi de 8,4%. Com tanto trabalho a fazer, será fundamental possuir talento altamente qualificado e motivado para o exercício desta autêntica missão vital para Portugal enquanto país, não só viável como competitivo.
Tendo já uma perspetiva global da problemática aqui em causa, importa também deixar como contributo algumas soluções para o desenvolvimento de uma verdadeira estratégia de atração, desenvolvimento e retenção de talento para o exercício da função de professor, cuja importância é reconhecida. Tenhamos como quadro de análise os fatores de atratividade identificados nos estudos anteriormente referidos.
Em primeiro lugar, deverá compreender-se que a componente letiva com a qualidade necessária tem um tempo médio de preparação de dez horas semanais, algo que pode variar obviamente com a experiência do docente e o grau de escolaridade dos alunos, entre outros aspetos. Se a isto acrescermos uma média de vinte reuniões por período, com a duração nada anormal de duas horas cada uma, acresce ao horário semanal do professor comum uma soma de três/quatro horas. Juntemos a tudo isto questões como a correção de trabalhos dos alunos e a preparação de atividades, entre outros aspetos normalíssimos do exercício da profissão. A pergunta que se impõe é: como equilibrar a vida profissional com a vida pessoal?
Em segundo lugar, analisem-se as reais possibilidades de progressão profissional dos professores. Assim, se para se chegar ao 4.º escalão são necessários 16 anos (quatro anos por escalão, de acordo com o Estatuto da Carreira Docente). No 5.º escalão da carreira a permanência é de dois anos, mas a ascensão ao mesmo pressupõe a congregação de um número significativo de critérios, nem sempre claros nem muito menos corretamente aplicados, assim como uma quantidade manifestamente limitada de vagas. A segunda pergunta que se impõe é: qual é a real possibilidade de um professor atingir o topo da carreira?
Em terceiro lugar, analise-se a questão do ambiente de trabalho dos professores. Quando só há cerca de um ano e meio é que foram distribuídos aos docentes equipamentos tão essenciais como um computador portátil e acesso à Internet, como é que se garantiu até agora a produção de recursos de trabalho essenciais ao exercício da profissão a não ser por carolice e gastos pessoais por parte dos professores? Quando se chega à sala de professores e a mesma está cheia de pessoas a desenvolver o seu trabalho, num espaço que por vezes até coincide com o do bar, pergunta-se desde logo que ambiente possuem os docentes para desenvolver o seu trabalho com a qualidade necessária e desejável?
Renovada que foi uma significativa quantidade de estabelecimentos de ensino, qual a razão de em muitos deles não terem sido criados espaços de trabalho de qualidade para os professores? Esta era a componente mais “barata” em termos de investimento.
Queremos atrair profissionais qualificados e fundamentais para a viabilidade e competitividade do país, quando lhes pagamos em média 1.100 euros? Atente-se que em 2019 o salário médio português foi, de acordo com a PORDATA, de 1.209 euros por mês. Um quadro superior auferiu em Portugal o salário médio de 2.452,20 euros mensais, um quadro médio auferiu em média 1.773,90 euros e categorias profissionais como as de encarregados/contramestres auferiram em média 1.688,20 euros mensais.
Queremos atrair profissionais talentosos para o exercício da profissão docente e depois limitamos a sua ascensão na carreira? Entraram no Ensino Superior em Portugal 390.930 alunos, no ano letivo de 2019/2020, período temporal no qual se licenciaram 51.829 alunos. É que não será admiração que opções de carreira como as da Engenharia tenham uma taxa de ocupação de cerca de 75% das vagas disponibilizadas no Ensino Superior, face aos pouco mais de 50% da área de Educação. Seria importante alocar mais recursos financeiros a esta questão, começando, por exemplo, por não limitar o número de vagas de acesso ao 5.º escalão da carreira (já não falando do 7.º).
Tendo em conta o orçamento para a Educação em 2021, de cerca de seis mil e quinhentos milhões de euros, as despesas de investimento foram de pouco mais de trezentos milhões de euros, sendo que as despesas com pessoal rondaram mais de 70% do valor total do orçamento. Impõe-se o desenho de uma verdadeira estratégia para este setor, que tão mal investe no verdadeiro recurso que é o seu conjunto de pessoas!
Uma estratégia que inclua o que hoje se designa por “employer branding”! Que valorize verdadeiramente os seus profissionais e os vincule ao fim de quatro/cinco anos de carreira! Que lhes proporcione um horário adequado ao verdadeiro trabalho de qualidade com os alunos e os liberte de pelo menos parte da componente administrativa! Que lhes proporcione a força e qualificação necessárias à gestão da sala de aula, antes e depois das referidas aulas.
O Professor é fundamental para as sociedades que se querem viáveis! Se achamos que a Formação é cara, não queiramos experimentar o custo da ignorância!
Fontes:
- Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (mec.pt)
- Atração e retenção de talentos | Great Place To Work Portugal
- Como atrair colaboradores? Cinco profissionais de RH apontam tendências para o setor que vive uma competição por talentos – ECO (sapo.pt)
- A importância dos professores em tempo de pandemia (e-konomista.pt)
- FOLHETO HORAS PROFS.pdf (spgl.pt)
- PORDATA – Ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem: total e por nível de qualificação