Autora: Graça Quintas, Advogada, Head of Employment Law SMFC
“It’s not the critic who counts, nor the man who points out how the strong man stumbled, or where the doer of deeds could have done them better. The credit belongs to the man who is actually in the arena”
by Theodore Roosevelt
Muito se tem escrito nos últimos dias sobre quem deve suportar as despesas em que o teletrabalhador tenha que incorrer no decurso da prestação de teletrabalho por si realizado, resultante do contexto pandémico que continuamos a enfrentar.
E nesta matéria, como noutras, não resisto a citar Theodore Roosevelt, por me parecer que esta sua tão sábia e célebre citação se tende a aplicar, ipsis verbis, igualmente ao contexto que me proponho aqui explorar.
Perante a evidência de que o regime do teletrabalho continuará, pelo menos a médio prazo, a nortear as relações profissionais, como seu principal paradigma, é legítimo que nos debrucemos sobre questões práticas e prementes como a da responsabilidade pelo pagamento das despesas que lhe são inerentes. Que inerência é esta, e como a aferimos?
Aqui chegados, apressamo-nos – legitimamente – a indagar: que despesas serão, nesta sede, elegíveis? Quais os critérios para a sua contabilização e período de apuramento – média apurada por referência ao mês/ano homólogos, considerando a margem de acréscimo de custos verificada? Despesas incorridas apenas durante o tempo de trabalho e desde que resultantes do quadro pandémico? E quanto aos pacotes de Internet e dados já contratualizados, de custo/encargo mensal fixo versus situações de novas contratualizações de maior potência, tráfego de dados, de sinal/cobertura? E em termos de proporção a considerar? Custos de todo um agregado ou só da parcela proporcional respeitante ao teletrabalhador? Como excluir a utilização pessoal que indiciariamente tem também lugar, por referência a tais equipamentos?
De facto, ainda que o teletrabalho tenha passado a ser o regime regra para uma parte muito substancial dos profissionais, nem todos os aspetos relevantes mereceram ainda detalhada e adequada regulação, pelo que nos encontramos perante uma verdadeira encruzilhada de questões para as quais, para já, nem sempre nos é devolvida pela lei uma resposta direta.
Neste sentido, cumprirá, antes de mais, analisar o contexto concreto em causa e percecionar que a modalidade de teletrabalho só é legalmente qualificada como tal se se tratar de uma (i) prestação subordinada (ii) que admita esta modalidade, que seja (iii) realizada habitualmente fora da empresa, e (iv) que implique, em termos de equipamentos e meios, o recurso a tecnologias de informação e de comunicação.
No que à responsabilidade sobre o pagamento das despesas respeita – o único quadro normativo de que nos podemos socorrer na presente data resulta dos artigos 165.º e seguintes do Código do Trabalho – que estabelece que a propriedade dos instrumentos de trabalho, a indicação do responsável pela respetiva instalação e manutenção e ainda pelo pagamento das “inerentes despesas” de consumo e de utilização, devem ser expressamente definidos – acrescentamos, no acordo ou documento que institui o cumprimento deste regime, sob pena de se presumir que tais instrumentos de trabalho são pertença do empregador, que deve assegurar a sua instalação e manutenção e o pagamento das “inerentes despesas”.
Neste quadro, o trabalhador deve observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos que lhe forem disponibilizados, não lhe podendo ser dado uso diverso (a menos que tal seja expressamente permitido pelo empregador). Ora, tal ocorrerá, por definição, no seu tempo de trabalho – pelo que desde já inferimos que, em princípio, não serão legalmente imputáveis ao empregador despesas decorrentes da utilização desses meios, incorridas fora do tempo de trabalho do teletrabalhador.
E a reforçar tal posição, o dever de o empregador respeitar a privacidade do teletrabalhador e os seus tempos de descanso e repouso (e da respetiva família), o que também indicia que fora da janela temporal de exercício profissional não é suposto existir prestação efetiva de trabalho e, como tal, não será igualmente suposto usar tais equipamentos, e, reflexamente, custear despesas (excetuando em situações de trabalho suplementar, nos termos acolhidos na lei).
Nessa medida, as únicas despesas que, em nosso entendimento, foram objeto de previsão legal e serão de suportar pelo empregador são, para já (e até que seja publicado quadro legal mais clarificador), apenas as seguintes:
- Despesas de instalação e manutenção, quando os meios e equipamentos forem pertença do empregador e tal esteja definido por escrito, ou resulte da presunção acima – incluindo-se nestes, instalação de PC, impressora e consumíveis;
- Despesas com comunicações de índole profissional apenas (Internet e telefone, havendo ainda aspetos discutíveis e “em aberto” nesta sede);
- As que, resultando declaradamente do exercício do teletrabalho, se reportem a acréscimos de custos necessários (não verificados antes), desde que aceites, por escrito, pelo empregador;
- Devendo o trabalhador estar apto a apresentar prova irrefutável da direta conexão existente entre tais encargos e o teletrabalho por si prestado, para prova da condição de “inerência” exigida legalmente.
Neste enquadramento, entendemos terem sido excluídas da solução legal, para já, as despesas referentes a consumos de água, de eletricidade, de gás e de outra natureza.
Em jeito de conclusão, consideramos que, estando cumprido o acima exposto, e caso as partes optem pelo preenchimento da lacuna legal identificada, deverão dar primazia à adoção de uma estratégia de entendimento, traduzida num compromisso “win-win” aplicado à sua “arena” concreta, após avaliação das reais necessidades associadas à implementação do regime do teletrabalho, circunstâncias, premências, condições aplicáveis a cada contexto, desafios sentidos por cada uma das partes e suficiência de meios “em jogo”.
Sempre no pressuposto de que o mínimo legal se encontra assegurado pelo empregador, entendemos que os demais aspetos devem ser customizados pelos “agentes que atuam na dita arena – empregador e teletrabalhador”.
Na tentação de pretendermos por vezes, catalogar e aferir com a mesma “lente”, crivo, ou convicção, a posição das “partes” ou fixar a responsabilidade do empregador, deveremos antes considerar as diferentes idiossincrasias resultantes de realidades profissionais diversas, que povoam o nosso tecido empresarial, com o intuito de encontrarmos uma solução justa, proporcional, adequada e equitativa, enquanto não formos dotados de um quadro legal claro e apto a dirimir todas estas ambiguidades.
E esta é, salvo melhor opinião, a que convosco partilhamos.
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